quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ministério Público e tutela da liberdade de informação

Ministério Público e tutela
da liberdade de informação

Heloísa Carpena Vieira de Mello (*)






inistério Público, na feição que assumiu na nova ordem constitucional, é a instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Representante da sociedade e defensor de seus interesses, defronta-se com o extraordinário alargamento de suas atribuições, que o tornaram o verdadeiro ombudsman de nosso sistema jurídico. Hoje podemos afirmar que Promotores e Procuradores de Justiça dirigem sua atuação cada vez mais para a defesa de interesses meta-individuais, como são os dos consumidores, para medidas visando à proteção do meio ambiente e a defesa da cidadania, promovendo ações coletivas, até mesmo contra o Poder Público.

É preciso deixar claro desde logo que o cometimento destas atribuições à instituição não resultou da defesa de interesses próprios de seus membros, no afã de obter maior parcela de poder, mas sim de um processo histórico, de reconhecimento do fato de que o Ministério Público possui um grau de independência e capacitação, que o apontam como o natural guardião dos interesses de grupos sociais ou da sociedade como um todo.

A massificação das relações sociais produziu a correspondente massificação dos conflitos, a exigir instrumentos jurídicos adequados a sua solução. A sociedade de massa não tem em conta o indivíduo isoladamente mas sim como membro de um corpo social, cujos interesses devem ser garantidos. A preocupação com o acesso mais fácil à Justiça levou o legislador a introduzir em nosso sistema as ações coletivas, assim procurando acompanhar o fenômeno econômico e social, ou seja, tratando dos conflitos tal qual se apresentam, em sua dimensão macroscópica.

Cada vez mais, ainda que involuntariamente, fazemos parte de grupos que surgem em razão da comunhão de interesses comuns. Assim, somos reconhecidos na sociedade como "os leitores deste jornal", "os consumidores do produto X", "os moradores da cidade tal", "as vítimas daquele acidente"... Quem nos representa como grupo? A quem caberá defender nossos interesses enquanto membros destes grupos?

Foi a relevância social das questões coletivas que levou o legislador a atribuir ao Ministério Público a legitimação para agir na qualidade de portador destes interesses em juízo, sendo certo que tal função harmoniza-se inteiramente com sua vocação natural e constitucional.

Dentre as questões que podem ser tratadas coletivamente, destacam-se, por sua indiscutível relevância, aquelas envolvendo as liberdades mínimas do cidadão, garantidas pela Constituição Federal, como a liberdade de informação jornalística.

O direito à informação assume dois aspectos : o que pode ser informado e o que deve ou como deve ser informado. O primeiro aspecto diz respeito à defesa de uma liberdade fundamental em face do Estado e se expressa na proibição de censura. O segundo refere-se à defesa do cidadão em face da imprensa, à tutela de seus direitos da personalidade: o direito à intimidade, à privacidade, à honra, à imagem, etc.

Embora goze de estatura constitucional, decorrente da liberdade de manifestação do pensamento, o direito à crítica jornalística não é ilimitado.

Como bem afirma Vidal Serrano, em obra cuja referência é obrigatória, pois destinada também ao público leigo, "a imprensa moderna se transformou em um verdadeiro poder social, muitas vezes fazendo do cidadão não um destinatário mas um refém da informação" (1). Assim, torna-se necessário defender não só a liberdade da imprensa mas também a liberdade face à imprensa, que impõe limites ao direito de crítica jornalística.

A tarefa de harmonizar estes direitos - de informação e os da personalidade - está longe de ser facilmente alcançada, visto que são direitos de igual hierarquia, ambos abrigados na Constituição Federal.

Nem se diga que, no confronto entre estes valores, o que está em questão são interesses de natureza individual, pois as liberdades de informação e de expressão afetam não só o seu sujeito mas também toda a sociedade.

Igualmente no que toca à proibição de discriminação por idade, sexo, raça, origem ou crença ou quanto à notícia que incita à violência, teremos colisão de valores - e de normas - numa questão de evidente relevância social, ainda que atingido diretamente apenas um ou alguns cidadãos.

A liberdade de expressão e o direito à crítica são reconhecidos em razão do valor que possuem para o sistema democrático. Quando há desvio desta finalidade, há o abuso, descumprindo a imprensa sua função social.

Assim, parece-me claro que o Ministério Público, seja na defesa do regime democrático, como promovendo a tutela dos interesses sociais, está legitimado a tomar medidas que representem verdadeiro controle da atividade da imprensa, propondo até mesmo ações para salvaguarda destes direitos, que pertencem, em última análise, a toda a sociedade.

O tema é delicado e não implica, evidentemente, defender a censura dos meios de comunicação, proibida de forma categórica em nosso país. Todavia, o repúdio à censura não conduz ao absolutismo da liberdade de expressão, a que nos referimos.

Os direitos, todos os direitos, nos são reconhecidos pelo ordenamento em razão de valores que lhes são inerentes, sendo dotados de uma função. Sempre que houver um descumprimento desta finalidade, estaremos no campo do abuso e este pode e deve ser reprimido.

Não se pretende trazer aqui uma palavra final sobre o assunto mas tão-somente destacar a importância de uma reflexão mais profunda sobre o verdadeiro papel da imprensa em nossa sociedade, a partir do conhecimento dos meios e oportunidades da própria sociedade exercer controle sobre a informação que lhe é destinada, zelando por sua adequação aos valores fundamentais do ordenamento e pelo respeito à função de construção da ordem democrática.

(1) Ministério público e tutela da liberdade de informação, São Paulo, FTD, 1998.

(*) Heloísa Carpena Vieira de Mello, promotora de Justiça no Estado do Rio Janeiro e Presidente da Subseção Rio de Janeiro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, foi a debatedora convidada do programa OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA na TV Educativa do dia 12/5.

Nenhum comentário: