sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Qual o valor da água?
Uma das causas do recente aumento nos preços dos alimentos foi a ocorrência de prolongadas secas em algumas regiões produtoras de alimentos. Isto, combinado com o crescimento acelerado da demanda por grãos por parte dos países do Leste da Ásia, fez com que os estoques mundiais de grãos chegassem a níveis alarmantes. Tal problema traz à baila a questão de como os países estão gerenciando o uso dos seus recursos hídricos; aqueles que conseguirem gerir de forma adequada o uso da água têm diante de si o crescente mercado de alimentos no século XXI.
Esta perspectiva de escassez da água fez com que ela passasse a ter valor econômico, incitando a cobrança pelo uso dos recursos hídricos como instrumento regulatório. No Brasil, a cobrança pelo uso foi instituída pela Constituição Federal de 1988. Também podemos encontrar ali o reconhecimento da água como bem econômico de usos múltiplos, o reconhecimento da necessidade de incentivo à racionalização do uso da água e de geração de recursos financeiros para o financiamento dos programas dos Planos de Recursos Hídricos em cada bacia hidrográfica.
No caso brasileiro, o estabelecimento dos preços pelo uso da água está a cargo dos chamados "Comitês de Bacia", fóruns em que se debatem as questões de gerenciamento dos recursos hídricos. No entanto, dada a sua ênfase na gestão participativa, nem sempre os preços ali acordados podem ser consistentes com o uso sustentável da água.
A determinação de um preço adequado para a água é um empreendimento complexo. Em especial, este preço da água deve refletir a valoração pela sociedade deste bem - o chamado valor da água - e o custo de extração da mesma.
O valor da água depende tanto do usuário quanto do uso para o qual elase destina.Em especial, este valor da água pode ser separado em dois componentes: o Valor Econômico da Água e o Valor Intrínseco da Água.
O primeiro deles, o Valor Econômico da Água, é composto por quatro elementos:
- Valor para os Usuários da Água: No caso dos usuários industriais e comerciais, este é o valor adicionado na produção decorrente do uso da água. No caso dos usuários residenciais, pode ser construído a partir da disposição a pagar.
- Benefícios Líquidos sobre os fluxos adicionais: A retirada da água de um sistema hidrológico implica que ela não estará disponível para outros usos no mesmo; portanto, os benefícios potenciais devem ser calculados como parte do Valor Econômico da Água
- Efeitos Líquidos Indiretos: A retirada da água de um sistema hidrológico também gera efeitos sobre o restante das atividades humanas; por exemplo, pode aumentar a salinidade dos solos. Por isso, estes efeitos são parte do Valor Econômico da Água
- Ajustamento para fins sociais: O Valor Econômico da água pode ser social, como elemento redutor da pobreza e desemprego. Tais objetivos, desejáveis por si sós, devem ser incluídos na avaliação econômica da água.
No entanto, o Valor Econômico da Água não é o único componente do valor da água. Além do valor decorrente dos seus usos e efeitos sobre a sociedade, temos que o valor da água pode ser decorrente da possibilidade de mantê-la disponível para futuras gerações. Tais considerações fazem parte do chamado Valor Intrínseco da Água. Estes dois - o valor econômico e o valor intrínseco totalizam o valor da água.
No entanto, há outro aspecto importante na determinação dos preços. Caso os custos de provisão da água sejam muito mais elevados do que os valores da água para a sociedade, o estabelecimento dos preços apenas baseados nestes valores levaria a uma subutilização do recurso. Por outro lado, custos de provisão da água abaixo dos valores da água para a sociedade implicaria em uso não racional do recurso.
Da mesma forma que o valor da água, o cálculo do custo de extração da água também tem suas peculiaridades. Em especial, o custo de extração da água deve incluir:
- Custo de operação e manutenção da operação diária do sistema de oferta de água;
- Remuneração aos fornecedores de recursos (credores e acionistas) da empresa;
- Custo de Oportunidade - valor decorrente dos usos alternativos desta água;- Efeitos Externos - custos impostos a outros agentes pela extração da água, podendo ser de natureza econômica ou ambiental.
Finalmente, o último ponto é como reconciliar estas duas formas de se considerar o problema; tendo dois valores para o valor da água e o custo da mesma, como usar estes valores para se chegar a um preço? O que se recomenda é que o preço reflita o custo de extração da água, definido como anteriormente, desde que o custo de extração seja inferior ao valor da água.
Caso o preço seja inferior ao custo de extração da água, isto implica que haverá a necessidade de fundos públicos adicionais para fazer frente à diferença.
Em resumo, para o gerenciamento eficiente da água, elemento essencial para assegurarmos a nossa posição de grandes exportadores de alimentos no século XXI, devemos conseguir um equilíbrio delicado entre três dimensões do problema: o custo de extração, o valor da água e o preço da mesma.
Em especial, para o caso brasileiro, o envolvimento da sociedade e dos usuários na gestão da água dentro dos comitês de bacia deve ser complementado por uma análise consistente do valor da água e do custo de extração da mesma.
*Cláudio R. Lucinda é professor de economia na FGV-SPVanessa Gonçalves é doutoranda em economia na FGV-SP
Notícia publicada em 12/09/2008.
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