sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Hanseníase, INDENIAÇÕES

Clarissa Thomé - O Estado de S.Paulo
RIO - Uma lei estadual do Rio vai reparar os anos de trabalho sem remuneração de pacientes de hanseníase dos chamados hospitais-colônia que cuidaram dos internos em estado mais grave - 353 ex-pacientes serão indenizados.


Fabio Motta/AE
Sebastião Rosa, de 84 anos, com a mulher, filhas e netos; ele foi separado à força da mãe
Por mais de cinco décadas, foram os próprios pacientes que cuidaram dos colegas mais debilitados. Faziam curativos, preparavam as refeições, limpavam as instalações. Se no início havia falta de pessoal - poucos queriam ter contato com "leprosos" -, mais recentemente os governantes se aproveitaram daquela mão de obra barata.

A Lei 1.188/2012 estabelece a pensão vitalícia para aqueles que não têm condições de voltar ao mercado de trabalho nem recebem nenhum tipo de benefício. Os aposentados ou ainda aptos receberão parcelas mensais de R$ 622 - 1 salário mínimo nacional - por dez anos. Os que estão em atividade no Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária e no Hospital Estadual Tavares Macedo terão a carteira assinada. Os pagamentos devem começar a ser pagos até 9 de abril.

Há dois tipos de ex-pacientes que trabalharam nos hospitais: os internados compulsoriamente, entre as décadas de 1940 e 1980, e os internados após o fim da Lei do Isolamento, o que ocorreu até 1986.

"Se antigamente poucos profissionais aceitavam trabalhar com hanseníase, nos anos 1990 o Estado, já viciado nessa mão de obra barata, criou o que se chamava laborterapia, uma terapia do trabalho em que os funcionários ganhavam menos de 1 salário mínimo", diz Artur Custódio, conselheiro nacional de saúde e presidente do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase.

Há várias maneiras de se referir a esses trabalhadores: pacientes da laborterapia, da "folha interna", bolsistas albergados. "No fundo, era uma mão de obra fácil e barata", diz Mauro Barroso Fernandes, de 52 anos, internado aos 40, que esteve à frente da luta pela indenização. Ele foi auxiliar de eletricista, trabalhou na guarda interna, cuidou da documentação médica. O primeiro salário foi de R$ 112, quando o mínimo nacional era de R$ 151. "A indenização deveria ser vitalícia para todo mundo", diz ele, que trabalha como maqueiro.

Dalva Mendonça Pedro, de 50 anos, vive ali desde 1984, quando foi internada compulsoriamente. Ela assumiu várias funções - auxiliar de cozinha, copeira de enfermaria, recepcionista. Com o dinheiro da indenização, sonha comprar uma casa fora da área do Tavares Macedo. "Hospital é para se tratar. Viver em hospital não existe. Quero um dia apagar tudo o que vivi aqui."

Custódio afirma que o País vive um paradoxo: é o primeiro em incidência de hanseníase e considerado o que mais avançou nas políticas afirmativas com relação às colônias. "Essa indenização é mais um passo importante. O Rio foi o primeiro a dar a titularidade de terra aos moradores das casas da antiga colônia de Curupaiti, em Jacarepaguá."

Tatão, o faz-tudo trabalhou 40 anos. Sebastião Rosa Ricardo, de 84 anos, conhecido como Tatão, é o mais antigo remanescente do hospital-colônia que havia em Itaboraí, na região metropolitana - hoje, um hospital-geral - e trabalhou por mais de 40 anos ali. Foram muitas funções: "curativeiro", encarregado de transportar caixões da fábrica que havia na colônia até a enfermaria, bilheteiro do cinema do hospital, funcionário da caixa beneficente, jardineiro, carregador de roupa suja para a lavanderia. "Com 14 anos, eu levava na cabeça trouxas de lençol defecado." Tatão chegou ali aos 11, numa época em que lei federal determinava o isolamento compulsório das pessoas com hanseníase.

Foi Rita, uma vizinha de Campos dos Goytacazes, quem o denunciou. "Um dia, chegou um rapaz de nome Maneta. Vinha numa carrocinha como a de pegar cachorro e me tirou da minha mãe." Foi internado a 229 quilômetros de casa. "A cada três ou seis meses, eles davam um dinheirinho para esses serviços que a gente fazia. Eu juntava para visitar a família", lembra.

Na colônia, conheceu a mulher, Zélia Klein Ricardo, de 70 anos, filha de paciente. Tiveram oito filhos. Os mais velhos foram entregues aos cuidados dos tios, até Tatão poder alugar uma casinha ali perto. Zélia morava com as crianças, ele continuava internado. "Às vezes deixava de comer, para levar algum alimento para casa. Eu saía escondido. As crianças vinham me visitar escondidas".

Tatão conta que o preconceito era grande - o comércio local se recusava a empregar seus filhos, por exemplo. "Na escola, um dos meus filhos pediu para ir ao banheiro e a professora disse: ‘Não pode, porque você é filho de leproso’. Ele sujou as calças."

Com o dinheiro da indenização, seu Tatão quer reformar a casa em que vive.

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