domingo, 30 de outubro de 2011

De olho na garotada Por Emily Bazelon em 25/10/2011 na edição 665

Em maio, a revista Consumer Reports anunciou que 7,5 milhões de crianças de 12 anos ou menos estão no Facebook. A revista chamou isso de “notícia perturbadora”, quando menos porque o fato contraria a legislação federal que proíbe sites da internet de coligir dados pessoais de crianças com menos de 13 anos sem permissão dos pais. “Claramente, o uso do Facebook coloca riscos à segurança, proteção e privacidade de crianças, seus amigos e famílias”, concluiu a revista.
Poucas semanas depois da matéria de Consumer News, Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, reagiu questionando a Lei de Proteção à Privacidade Online de Crianças, (Coppa, na sigla em inglês), de 1998, que impede o Facebook de inscrever crianças legalmente. “Esta será uma luta que travaremos em algum momento”, disse Zuckerberg na cúpula do NewSchools, na Califórnia. E, com efeito, com a Comissão Federal de Comércio (CFC) querendo endurecer os regulamentos da Coppa, o Facebook triplicou seus gastos com atividades lobistas, formou um comitê de ação política e contratou ex-funcionários de Bush e Obama para promover sua agenda.
Ainda não sabemos exatamente como o fato de criar perfis no Facebook em tenra idade afeta social e emocionalmente as crianças. Existe a diversão e a liberdade do Facebook, e existem as revelações de Consumer Reports de que o site expôs 1 milhão de adolescentes a bullying e molestamento no ano passado. O que está claro é que o Facebook considera que precisa acesso às vidas das crianças para continuar a dominar seu setor. Quanto mais nova a criança, maior a oportunidade de se formar lealdade à marca capaz de transcender a próxima tendência de mídia social. E, o que é crucial, colocar perfis bem cedo pode acostumar as crianças a “compartilhar” com as grandes audiências ao alcance das pontas de seus pequenos dedos.
Informações compartilhadas
O Facebook está apostando sua relevância e seus lucros futuros cada vez mais nessa ideia de compartilhamento, que ele tornou “sem atrito” (compartilhamento automático sem consentimento explícito do usuário) no fim de setembro. Com certos aplicativos no Facebook, como Spotify, a pessoa pode escolher a capacitação de um recurso em que todos podem ver o que ela está ouvindo ou vendo, sem precisar acionar outra tecla. Antes de lançar o compartilhamento sem atrito, o Facebook enfatizou que agora é mais fácil ver quais são suas configurações automáticas. Mas a companhia se recusa a mudar essas configurações automáticas, criando maior privacidade, certamente porque isso afeta seus resultados financeiros.
Quanto maior o número de pessoas às quais você está conectado no site e mais vezes você clicar em “curtir”, mais os anúncios podem ser personalizados – “Ei, compre estes sapatos porque seus três amigos compraram” – e mais dólares de publicidade em potencial podem ser gerados. O Facebook encoraja o compartilhamento generalizado ao tornar públicas para todos as configurações automáticas de uma sua página de adulto. O site faz uma concessão quando se trata de adolescentes: a configuração automática permite informações pessoais básicas (nome, redes, foto) ao público, enquanto as postagens são compartilhadas com amigos do Facebook e também com os amigos desses amigos. Meu filho é jovem demais para estar no Facebook, mas imaginem que após seubar mitzvah ele poste fotos dele. Além das 300 pessoas que conhece, poderia ter uma audiência de 1.000 ou mais de amigos de amigos que não conhece.
Como disse Zuckerberg numa entrevista no rádio: “Nós o ajudamos a compartilhar informações, e quando faz isso, você fica mais engajado no site, e aí surgem anúncios no lado da página. Quanto mais você estiver compartilhando, mais o modelo todo simplesmente funciona.” Configurações automáticas são particularmente importantes para essa visão porque a maioria das pessoas (e, em especial, os adolescentes) nunca as mudam. Um estudo recente da Universidade Colúmbia com 65 universitários revelou que 94% estavam compartilhando informações pessoais no Facebook que não tiveram intenção de tornar públicas.
Críticas sobre privacidade
É verdade que o Facebook tomou medidas contra os perigos mais graves do compartilhamento. Por exemplo, o site está usando uma nova tecnologia para encontrar e remover pornografia infantil, e é parceiro do sistema de alerta Amber da polícia para crianças desaparecidas. Em setembro, o Facebook iniciou o teste de um endereço de e-mail especial com um pequeno grupo de diretores e orientadores escolares que proporciona a escolas um rastreamento interno para relatos urgentes sobre bullying e brigas. Essas medidas em favor das crianças são todas boas. Elas também não prejudicam todo o compartilhamento que faz o Facebook prosperar. Mudar configurações de privacidade para adolescentes prejudicaria.
Para Zuckerberg e outros no Vale do Silício, o pressuposto é que o compartilhamento contínuo, em cada idade, é inevitável. Cerca de uma semana depois de Zuckerberg dizer que está preparado para combater a Coppa, Larry Magid, um codiretor da organização sem fins lucrativos ConnectSafety, apoiou a ideia numa postagem em blog chamada “Facebook Ought to Allow Children Under 13” (O Facebook deve aceitar crianças com menos de 13 anos). Magid argumentou que, dados os milhões de crianças que já estão no Facebook a despeito da lei, melhor seria deixá-las fazê-lo legalmente e aguardar que o Facebook crie controles de privacidade mais rígidos. Stephen Balkam, que comanda outra organização sem fins lucrativos, o Family Online Safety Institute (Fosi), também protestou veementemente contra os “tecnopessimistas” em seu blog no Huffington Post quando o serviço de geolocalização do Facebook, chamado Places, recebeu uma onda de críticas sobre privacidade no ano passado.
Lei impediria direcionar anúncios até os 17 anos
As organizações de Magid e Balkam estão ambas no que o Facebook chama de seu “conselho consultivo de proteção”, que a companhia garante ser “independente”. Mas elas também recebem financiamento do Facebook e de outras companhias de mídia (o Fosi recebe US$ 30 mil de cada um de 15 patrocinadores corporativos, incluindo o Facebook; o Magid não revelou quanto sua organização recebe do Facebook e de 15 outros patrocinadores). Em setembro, o Facebook realizou uma recepção no Congresso em que os membros do conselho de proteção ficaram ao lado de representantes do Facebook promovendo o trabalho sobre privacidade da companhia, e Balkam elogiou a “notável maturidade” do Facebook. Como comentarista num programa de rádio da CBS e colunista do jornal The San Jose Mercury News, Magid às vezes critica a companhia, mas defendeu-a em momentos cruciais. (Manchetes: “Online Privacy Concerns Often Misplaced” e “Facebook Privacy Lawsuit a Jumbled Mess”.) Magid revela seu vínculo financeiro com a companhia porque, diz ele, pode compreender um conflito potencial. Em seu blog no Huffington Post, Balkam não revela.
O Facebook enfatiza que o Google e outros também financiam muitas das mesmas organizações, o que é verdade. Esse é um cantinho confortável do mundo online. Ele não é isento de atritos, porém. No último outono americano, a Common Sense Media, uma organização de defesa de crianças online que avalia filmes, jogos e aplicativos, saiu do conselho consultivo do Facebook porque, diz o CEO James Steyer, ele e seu staff viram a abordagem do Facebook da privacidade infantil piorar com o tempo e insistiram em dizê-lo publicamente. “Quando discordamos deles sobre privacidade, eles quiseram que ficássemos calados”, diz Steyer. O Facebook diz que respeita a decisão da Common Sense Media.
Enquanto isso, em Washington, a Comissão Federal de Comércio quer requerer que sites obtenham permissão dos pais antes de rastrearem para fins comerciais os movimentos online de crianças com menos de 13 anos. Um projeto de lei recentemente introduzido no Congresso vai um passo além. Chamada Do not Track Kids (Não Rastrear Crianças), a lei impediria sites de usarem dados de crianças para direcionar-lhes anúncios até elas terem 17 anos. Numa rara demonstração de bipartidarismo, republicanos e democratas da Câmara saíram em defesa do projeto. O Facebook, seria dispensável dizer, não saiu.
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[Emily Bazelon é editora sênior da Slate e está escrevendo um livro sobre bullying]

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