Quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
ISSN 1519-7670 - Ano 15 - nº 623 - 4/1/2011
BADULAQUES & TRAQUITANAS
O talismã da presidente
Por Luciano Martins Costa em 6/1/2011
Comentário para o programa radiofônico do OI, 6/1/2011
Os jornais de maior circulação do país "noticiaram", nesta semana, que aquelas pulseirinhas com um holograma que fazem tanto sucesso entre adolescentes – e adultos com idade mental equivalente – não produzem o efeito anunciado.
Foi preciso uma declaração oficial da empresa fabricante, sediada na Austrália, de que não havia "garantias" de que a tal pulseira aumenta o bem-estar de seus portadores, e uma ampla divulgação do texto por meio de agências de notícias internacionais, para que a imprensa brasileira dita séria entrasse no assunto.
Até então, textos na internet e anúncios em jornais populares – quase todos pertencentes às mesmas empresas que editam os jornais de circulação nacional – prometiam efeitos milagrosos para as tais "pulseiras holográficas quânticas".
Passo acelerado
Na verdade, trata-se de um bracelete de neoprene contendo uma imagem holográfica num pequeno disco de plástico. Seus efeitos seriam os de melhorar o equilíbrio do corpo, estimular as funções cerebrais e facilitar a absorção de oxigênio. É a versão do século 21 das antigas pulseiras magnéticas que prometiam controlar a pressão arterial pela ação de ímãs sobre a circulação sanguínea.
Não surpreende que milhões de pessoas tenham adquirido tal traquitana – afinal, é da natureza humana acreditar em soluções mágicas para tudo – ainda mais quando o apetrecho chega ao mercado avaliado por supostos cientistas da Nasa.
O que tem isso a ver com a imprensa?
Bom, foi através da imprensa que os compradores ficaram sabendo que atletas e celebridades, como o piloto Rubens Barrichello, haviam adotado a tal pulseira. E a prática estava tão disseminada que foi preciso a imprensa "desmentir" os alardeados efeitos da holografia. Agora, os leitores devem estar esperando a conclusão dos estudos científicos sobre o tal "olho grego".
Afinal, no momento histórico em que a primeira presidente da República tomava posse, os mais distraídos tiveram sua atenção despertada para o fato de que a principal mandatária da nação usava uma pulseira com um adereço azul e preto que, segundo dizem, é tiro e queda contra os invejosos.
Esperamos que a imprensa, ao contrário do que fez com a pulseira holográfica, venha a confirmar a eficácia do tal "olho grego", porque, acelerados como andamos em direção ao futuro glorioso, convém que todos os brasileiros sejam vacinados contra a inveja do mundo.
Rede de intrigas
Para quem estranha essa viagem ao mundo da fantasia, convém observar que o Globo colocou duas repórteres para cobrir exclusivamente o que acontece na casa onde se desenrola o reality show Big Brother Brasil.
Ou seja, a mistura entre informação e entretenimento quase justifica a confusão entre ciência e superstição, ainda mais quando a superstição se manifesta no pulso da presidente da República, sob a forma de um talismã.
Da mesma forma misturam-se jornalismo e política, noticiário econômico e interesses de negócio, opiniões e carreirismo. Além disso, pode estar transitando no terreno da ficção todo texto que procura razões edificantes nas propostas de aumento do índice do salário mínimo.
Segundo a Folha de S.Paulo, foi do senador José Sarney a idéia de lançar a campanha por um salário maior do que os R$ 540 propostos pelo governo, como forma de retirar do foco a disputa por cargos. Também é da Folha a opinião de que a auditoria promovida pelo governador paulista Geraldo Alckmin sobre os contratos de seu antecessor e correligionário José Serra esconde uma disputa entre os dois.
Em 2007, quando a situação era invertida, foi Serra quem investigou as contas de Alckmin. Mas isso está em editorial, não em reportagens.
O melhor, para o leitor, seria que os jornais destrinchassem essa auditoria, separando o que seria boa administração do que pode configurar uma vingança pessoal do atual governador por haver sido lançado no limbo quatro anos atrás. Mas, dos três jornais de circulação nacional, apenas a Folha tem dado espaço às intrigas da política paulista, berço principal do PSDB. Os outros jornais só enxergam a querela entre PT e PMDB em Brasília.
Perdão: os jornais também perceberam a chegada, ao Rio, da polêmica cantora Amy Winehouse, onipresente nas primeiras páginas das edições de quinta-feira (6/1). Em 24 horas de Brasil, ela ainda não havia produzido nenhum escândalo.
Isso é que é noticia.
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