domingo, 3 de abril de 2011

A caça-vírus. Rita Nogueira:


Clarissa Thomé - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA - Rita Nogueira, médica especializada em virologia


Tasso Marcelo/AE
A caça-vírus. Rita Nogueira: 'O segredo da identificação do vírus é a vigilância epidemiológica'

Em março de 1986, Rita Nogueira, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, fez um curso sobre como identificar o vírus da dengue em Caracas, na Venezuela. Vinte dias depois, de volta ao laboratório, deparou-se com nove amostras de sangue de pacientes de Nova Iguaçu, todas positivas. Era a reentrada do vírus tipo 1 no Brasil e o início da primeira grande epidemia nacional.

De lá para cá, ela foi a responsável por identificar os vírus 2 e 3, quando chegaram ao País. E, no mês passado, a equipe que coordena descobriu o tipo 4 em duas irmãs de Niterói - os primeiros casos do Sudeste.

Nessa entrevista ao Estado, a pesquisadora, que coordena o Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), fala sobre como as manifestações da doença mudaram ao longo de 25 anos. Curiosamente, ela nunca teve a doença. "Faço a minha parte. Em epidemia, só ando de meia, calça comprida e uso repelente", ensina.

A chegada do vírus 4 é sinônimo de uma epidemia no próximo verão?

Não é a primeira vez que o vírus da dengue 4 chega ao País. Em 1981, ele entrou em Roraima. E naquela época circulou com o da dengue tipo 1. Foram notificados 12 mil casos em Boa Vista. Ninguém pensou logo em dengue, a preocupação era que fosse rubéola. Mas foi muito localizado e não teve grandes proporções - e o dengue 4 desapareceu por 30 anos. Epidemia não é matemática. São vários fatores. Recentemente voltamos a ter a circulação do dengue 1, que foi um vírus que se implantou muito bem na primeira epidemia. Se essa característica se mantém, o que se espera é que, talvez, não tenha em grandes proporções (uma epidemia de dengue 4).

Esse vírus estava circulando havia algum tempo em países da América do Sul. Ele tem dificuldade de se adaptar ao Brasil?

O que controla esse fator de disseminação varia muito. Enquanto o dengue 4 estava nos outros países, no Brasil ocorriam muitas epidemias. Talvez você não tenha o ambiente propício para que se implante ao mesmo tempo vários sorotipos. Uma população que tem anticorpos com atividade cruzada com outros sorotipos de alguma forma vai bloqueando a entrada de outros vírus. É possível que as epidemias que ocorreram no País tenham impedido a entrada do dengue 4.

Hoje há muitas formas hemorrágicas. Por quê?

As características epidemiológicas eram muito diferentes. Em 1986, o Brasil teve o que se chamava epidemia em solo virgem. Toda a população era suscetível. A epidemia foi por vírus tipo 1 e tivemos apenas um caso fatal, bem caracterizado. Quando entrou o dengue 2, mudou um pouco de figura. O que a gente conhece da epidemiologia é que, quando se tem infecções sequenciais (por diferentes vírus), o risco de se ter a forma mais grave é maior. Mas, na realidade, as famílias que estão circulando no Brasil têm potencial de virulência reconhecida.

Esse vírus 2 é de origem asiática. Já se sabia que tinha potencial de levar a formas graves. O dengue 3, quando entrou, também provocou preocupação. Ele sumiu das Américas em 1977 e foi reintroduzido em 1994. E se viu que o dengue 3 teve impacto grande no País - em 2002, correspondia a 60%, 70% de todos os casos nas Américas.

O que se pode dizer hoje da epidemia de dengue no Brasil? Hoje o Brasil tem um caráter hiperendêmico, com quatro sorotipos circulando - que era uma característica do Sudeste Asiático. O padrão da doença lá é mais em criança. A população mais velha já foi infectada. As crianças vão fazendo infecções sequenciais e isso leva a casos mais graves. É o que ocorre hoje aqui: dengue em crianças, casos graves em pessoas com menos de 15 anos. O padrão está mudando. Até 2007, as crianças não representavam porcentual muito alto de casos graves. Na última epidemia, passou de 30%.

Como é ser a memória da dengue no Brasil?

Dá mais vontade de trabalhar. O segredo da identificação do vírus é a vigilância epidemiológica. É preciso estudar muito o perfil da dengue em criança, os fatores de risco dos casos mais graves. Também pesquisamos a repercussão do vírus em gestantes e representações atípicas da dengue, como comprometimento neurológico e hepatites

Nenhum comentário: