sábado, 2 de julho de 2011

Criminoso ou vítima?

Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
No dia 14 de maio, a França foi surpreendida: o francês Dominique Strauss-Kahn, um dos homens mais poderosos do planeta, diretor-geral do FMI, que tinha chances de tirar Nicolas Sarkozy da presidência, havia sido preso, retirado por policiais americanos do avião que o levaria de Nova York para Paris, algemado, humilhado, interrogado, jogado numa prisão sórdida e lançado às feras para saciar curiosidades obscenas.

O chefe do FMI teria estuprado uma camareira do Hotel Sofitel, em Nova York, uma jovem guineana inocente e irrepreensível, Nafissatou Dialo. Foi aberto um processo. O político se acabou. E o homem também. Um mês e meio depois, a França, pela segunda vez, foi surpreendida. Ficou paralisada, petrificada, mas pelo fato inverso. O New York Times anunciou que o promotor (o mesmo que acusou Strauss-Kahn) duvidava da acusação. O processo naufragou e DSK foi solto.

Por que essa reviravolta da promotoria? Segundo o jornal, a mulher desonrada, Nafissatou Dialo, não seria a vítima inocente, assustada e virtuosa descrita pelo diretor do Sofitel em seu depoimento e no testemunho de um estranho que se dizia irmão, quando na verdade era um amigo. Sabe-se que ela sofreu sofrido violências e estupro antes. E parecia conhecer pessoas pouco recomendáveis. Já havia mentido e continuou mentindo, pecado capital aos olhos da sociedade puritana dos EUA.

Vamos aguardar o julgamento. Não devemos ir muito rápido, declarando a mulher perversa ou proclamando o seu candor. Esse caso é medonho, inverossímil. Não vamos acrescentar nossas incertezas a uma história já muito obscura, fascinante, mas terrível. O que é de imaginar é que, desde ontem, já se começou a trabalhar em Hollywood na captura de uma realidade que galopa mais rápido do que a imaginação do mais desbocado dos roteiristas americanos.

O quarto 2806 tornou-se uma gigantesca fábrica de fantasias. De todo o tipo. Sexuais, é claro. Étnicas (o branco e a negra). Sociais (o rico poderoso e a pobre humilhada). Políticas (o socialista DSK contra o homem de direita Sarkozy). E feministas, porque, no mundo inteiro, mulheres denunciaram o comportamento do francês, ao mesmo tempo em que milhões de porcos chauvinistas vilipendiaram a mulher negra e uma simples camareira, que estava fazendo muita história por causa de um simples e banal "passar de mão".

Enfim, há também o lado romanesco, mas de um romance policial: o que ocorreu exatamente no quarto do Sofitel em 14 de maio? Só um homem, DSK, e uma mulher, Nafissatou, sabem o que houve no carpete da suíte. E foi com base nesse vazio, nesse silêncio, que um homem foi lançado no banco da infâmia. Em resumo, o quarto 2806 do Sofitel pode ser comparado a uma dessas "caixas pretas" que se procura sempre após um acidente de avião, que técnicos, uma vez encontrada, tentam fazer falar.

No caso do Sofitel, a caixa preta, ou seja, o quarto 2806, não falou. E as paixões, os ódios, as invejas, os ressentimentos, aproveitaram esse mutismo para delinear o romance de sua preferência. Aguardemos para ouvir as revelações que ainda surgirão dessa caixa preta. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É CORRESPONDENTE EM PARIS

Nenhum comentário: