domingo, 2 de outubro de 2011

CULTURA-DN-Horácio Dídimo

Horácio Dídimo é desses poetas que instigam o leitor. Dotado de muita sensibilidade, tanto para os fatos contemporâneos, como para a espiritualidade e o misticismo, ele compõe poemas curtíssimos, às vezes, somente de dois versos, que aguça a curiosidade e coloca esse leitor em contato com o mundo abstrato e simbólico do poema, que, no mais das vezes, vem impregnado de humor e ironia, uma de suas maiores características. Roberto Pontes, em ensaio dedicado à sua obra, defende a tese de que Horácio Dídimo retoma uma tradição: a do epigrama (epigrama era, na antiguidade clássica, "toda sorte de inscrição em túmulos, monumentos, estátuas, medalhas, moedas..."). Acertadamente, Roberto Pontes propõe um estudo epigramático, não como modelo clássico, mas para "apenas identificar e exemplificar seu estilo breve, conciso, curto (...) adaptado ao contexto contemporâneo." Pe. F. Sadoc de Araújo, na apresentação do livro A palavra e a Palavra, argumenta que a "Palavra, em maiúscula, é o Verbo de Deus que se fez carne e habitou entre nós. A palavra, em minúscula, é a linguagem humana..." Pedro Lyra, em estudo sobre o autor, diz que "Valorizada pela variedade formal e pela clara visão da realidade contemporânea, a poética de Horácio Dídimo, particularmente pelas inovações que introduziu na poesia cearense, apesar de tributária do estilo-22, afirma-se com um duplo mérito: mérito pela presença histórica, mérito pela presença estética." Das vozes Se Roberto Pontes enfatiza o aspecto formal, e Pedro Lyra lembra as inovações (estes dois colocando o poeta no ponto histórico contemporâneo), Pe. F. Sadoc de Araújo compara as palavras divina e humana para lembrar o misticismo de Horário Dídimo. Todos tiveram uma lúcida visão crítica. Horácio Dídimo compõe também com misticismo e atualiza o epigrama, com linguagem e motivos contemporâneos, assim como foi (e é) um poeta importante no quadro atual da Literatura Cearense. - além de aguçado ensaísta. O título da obra Para iniciarmos, vamos entender o título do livro. A palavra, em minúscula, e a Palavra, em maiúscula, podem ter muitas significações. A ligação com a palavra de Deus parece estar muito clara, até porque todas as epígrafes dos poemas foram tiradas dos livros que compõem a Bíblia, Coríntios, Eclesiástico, Efésios, Salmos etc., já dando um direcionamento para a releitura do poema através de uma leitura bíblica. Quando se lê, porém, um poema como "o afinador de palavras" (p.139), pode-se construir outra linha de raciocínio. Aqui está o poema: (Texto I) Leitura do poema Polir palavras é uma típica metaforização da atitude do poeta. Poesia é recriação da linguagem, transformação da sintaxe e visão para os motivos de um mundo histórico. Dessa forma, podemos avaliar que polir "velhas palavras" pode significar, dentre outras leituras, um trabalho para a atualização da poesia e uma busca incansável pela palavra exata, precisa. Na poética de Horácio Dídimo, a busca de tal palavra é essencial, porque tudo é síntese, brevidade e concisão, portanto, a palavra certa no lugar certo é primordial, para o poeta obter o efeito desejado e, com isso, levar o leitor a participar ativamente na construção do significado do texto, já que, em alguns casos, como este, o que não está escrito é, talvez, mais significativo. O brilhar "como o sol" só reafirma a tese da atualização e a crença na palavra poética como iluminadora das outras palavras. Este poema, como todos os demais, não está dissociado da palavra bíblica, que lhe serve de epígrafe. O texto bíblico é o seguinte: (Texto II) A palavra e a Palavra Para entender a relação entre o poema e a palavra de Deus, é preciso ir à fonte que serviu de epígrafe. Neste caso, a citação foi tirada d´Os Salmos (ou Saltério), uma coleção de 150 cânticos, que celebra o mistério da salvação. Tais cantos eram acompanhados de um saltério, "instrumento musical da família da cítara". O Salmo 68 é a "Oração do Justo Aflito". (OBS: para ler as citações bíblicas, deve-se observar o seguinte: as letras iniciais são a abreviatura do livro da Bíblia. "Sl" quer dizer Salmos. A vírgula separa o capítulo do versículo. Assim, nesta citação, lê-se: Salmos, capítulo 68, versículo 31.) Podemos imaginar, por conta disso, que um canto, para ser glorificador, necessita ter a palavra iluminadora (e, por isso mesmo, exata), que liga o profano ao sagrado, daí tal palavra precisar ser tão brilhante como o próprio sol, afinal, ela, sendo ponte, também, assim, se sacraliza. Apesar das teias de relações que se pode fazer com todos os poemas do livro (afinal todos vêm epigrafados), o que é importante é ter consciência de que qualquer poema é aberto, por sua própria natureza estética. O poema não precisa do apoio de qualquer outro texto, para que possa significar-se. Ele tem peso semântico por si mesmo. Se o poeta quis dar certa direção à palavra poética rumo à palavra divina, por certo, devemos levar isto em consideração, mas os poemas são livres e, mesmo sendo expostos com vínculos para o leitor, nada impede que este leitor possa fazer outras injunções acerca de seu sentido. Evidentemente, estou falando de um leitor-modelo, aquele que não utiliza o texto, para enxergar seus próprios sentimentos, mas aquele que tem visão crítica para relacionar, coerentemente, as relações de significação que o texto sugere. Da polissemia Assim, a Palavra, em maiúscula, também poderia ser a palavra transfiguradora, a recriadora da realidade: é a Palavra Poética, aquela que vê o mundo, os objetos, as pessoas de maneira diferenciada, simbólica. Neste sentido, a palavra é mais importante do que as coisas, porque tira delas aquilo que nelas é mais difícil perceber: a essencialidade, daí a síntese dos poemas e a necessidade da palavra exata. O título do livro, portanto, possui uma variedade imensa de significações, e é dentro da plurissignificação das palavras que o poeta vai encontrar o ambiente ideal para desenvolver o aspecto lúdico e bíblico da sua poesia. A concisão Horácio Dídimo diz muito com poucas palavras. No poema "o presente desatado na ponta do fio do passado" (p.146), há esta confirmação: (Texto III) A brincadeira com os conceitos está em muitos poemas. Neste, especificamente, Horácio Dídimo é conceptista em essência, e nisto ele é barroco, fusionista, porém, sem ostentação, suntuosidade ou exuberância. Há uma proposital intertextualidade com uma parte do "Sermão da Sexagésima", pregado na Capela Real, no ano de 1655, de Padre Antônio Vieira. O procedimento lúdico só confirma o que disse Pedro Lyra: Horácio Dídimo é tributário do estilo de 22, (primeira fase moderna) com o humor característico daquele primeiro momento modernista. Trechos TEXTO I quero passar um dia bem azul polindo velhas palavras até que elas brilhem como o sol TEXTO II LOUVOR AO NOME DO SENHOR, / E O GLORIFICAREI COM UM HINO DE GRATIDÃO. (Sl 68,31) TEXTO III o pouco pode ser o muito disfarçado PAULO DE TARSO PARDAL COLABORADOR* Ficcionista e ensaísta

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