Entrevista com diretor geral do DNPM
Qua, 23 de Dezembro de 2009 17:47
Levando em consideração os 75 anos do DNPM, qual é o seu balanço quanto às atividades da instituição e o desenvolvimento da mineração brasileira?
A história do DNPM e a sua importância para a mineração brasileira se confundem muito com o primeiro Código de Mineração, que data de 1934, o qual definia que as jazidas conhecidas pertenciam aos proprietários do solo onde se encontravam ou a quem fosse por legítimo título. Aos proprietários do solo em que ocorressem jazidas conhecidas foi lhes dado o direito de manifestá-las ao poder público no prazo de um ano. Tratava-se de um sistema misto, em que se garantiram os direitos minerários pré-existentes aos proprietários do solo. As jazidas não conhecidas, no entanto, passariam a ser incorporadas ao patrimônio do país. Com o advento da Constituição de 1967, a preferência do proprietário do solo foi substituída pela participação nos resultados da lavra. O Código de Mineração da mesma época, instituído pelo Decreto-Lei nº 227 de 1967, manteve o princípio da prioridade previsto no Código anterior.
A partir da década de 80, diplomas legais complementares vieram compor o cabedal de atos regulatórios para a mineração, particularmente com o advento da legislação ambiental. A promulgação da atual Constituição Federal em 1988 criou o regime de royalties, que tornou necessária a atualização da legislação minerária. No entanto, tais alterações não foram tão significativas a ponto de exigirem um novo Código. A mudança mais expressiva trazida pelo texto constitucional referia-se à restrição ao capital externo na mineração, dispositivo que veio a ser suprimido por emenda constitucional de 1995. Dentre as mudanças efetivadas, destaca-se a explicitação do direito de propriedade dos recursos minerais como sendo bens da União, superando definitivamente dúvidas quanto à propriedade dessas riquezas em favor do Estado. As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra, dependendo, para sua pesquisa e aproveitamento, autorização ou concessão da União, como prevê o artigo 176 da Constituição Federal. Este fato colocou por terra o regime jurídico , apesar de ainda hoje se conviver com a Lei nº 6.567, de 1978, que confere ao município o direito de emissão da licença para minerais de emprego imediato. Em 2 de maio de 1994, com a sanção da Lei nº 8.876, o DNPM, que até então era considerado um órgão central de direção superior, foi transformado em autarquia federal. O DNPM tem como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração mineral e do aproveitamento dos recursos minerais e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar em todo o território nacional o exercício das atividades de mineração como: a outorga de direitos minerários; a fiscalização de pesquisa, lavra e beneficiamento de minérios; ações de fomento ao setor mineral; a manutenção da base de dados sobre a economia mineral brasileira; a proteção ao patrimônio fossilífero; a fiscalização do controle ambiental; e a promoção da arrecadação das taxas, emolumentos e compensação financeira decorrentes da atividade de mineração no país. O DNPM tem hoje a clara missão de gerir os bens minerais brasileiros de forma sustentável, em benefício da sociedade.
Quais são os principais projetos atualmente em andamento?
Os principais projetos do DNPM neste momento visam dar andamento à modernização administrativa e tecnológica. Esse é um processo contínuo e, no nosso entender, tem objetivado propiciar a agilidade, transparência e segurança jurídica nos atos de outorga, estimulado a atração de investimentos em pesquisa mineral, que visam à descoberta de novas jazidas e criam as condições para que ocorram investimentos produtivos na mineração. Esses investimentos são fundamentais para o aumento do produto mineral bruto, em particular do PIB mineral, garantindo o suprimento de matéria-prima mineral para a indústria, com a elevação do saldo da balança comercial e com a geração de emprego e renda. Sem dúvida, que tudo isso fortalece o setor mineral brasileiro e assegura o seu crescimento de forma sustentável.
O processo de modernização permitiu, ainda, que o DNPM revertesse o quadro de desgaste institucional existente até 2002, voltando a cumprir plenamente a sua missão institucional. A modernização vem permitindo a implantação de sistemas computacionais voltados para redefinir e simplificar procedimentos relacionados aos macro-processos de outorga, de fiscalização e de arrecadação da autarquia, e propiciando o desenvolvimento da indústria mineral brasileira. Permite que tenhamos, cada vez mais, uma base de dados consistente e em condições de fornecer as informações necessárias para uma melhor política de fomento e de regulação da atividade de mineração em nosso país.
Qual é a sua avaliação quanto à contribuição da produção mineral para a economia brasileira?
O Brasil a cada dia se afirma como um grande país produtor de matéria-prima mineral, ocupando espaços importantíssimos na divisão internacional do trabalho. O desempenho da indústria extrativa mineral tem sido notável nos últimos anos, se comparado a outros setores da economia brasileira. Sua participação na formação do PIB mostra-se crescente particularmente nos últimos cinco anos, já atingindo a marca de quase 7%. O fluxo de comércio exterior do setor vem superando recordes sucessivos. A mineração brasileira responde por parcela expressiva do saldo da balança comercial, mais de 30%, representando, assim, um importante fator na diminuição da vulnerabilidade da economia nacional. Investimentos em pesquisa mineral para a descoberta de novas jazidas, para a abertura de novas minas ou para a ampliação da capacidade produtiva das já existentes praticamente triplicaram desde 2003, chegando à marca de cerca de US$ 480 milhões em 2008, apesar de três meses de crise financeira internacional.
Considerando a possibilidade de o DNPM abrir concurso nos próximos meses, haverá a contratação de geofísicos?
O profissional do DNPM, que virá a desenvolver atividades no campo da Geofísica, não necessariamente terá formação específica, pois conforme competência comum definida pela Resolução 1010 do CONFEA, pode exercer tal habilitação o profissional com qualificação e formação de geólogo, engenheiro de minas, ou outro que tenha especialização na área. Assim, em virtude da necessidade de maior espectro de atribuições profissionais no interesse da autarquia, deveremos abrir vagas para geólogos e engenheiros de minas, que não exercem apenas Geofísica. Os profissionais de Geofísica que sejam oriundos dessas duas áreas deverão concorrer para as vagas dessas profissões e, uma vez aprovados, poderão ser aproveitados, da melhor maneira em função do seu perfil profissiográfico.
Como se posiciona o Brasil quanto à produção de bens minerais em relação aos outros países?
Todos sabem que o Brasil é um dos maiores players globais em bens minerais. Ocupamos o primeiro lugar na produção de nióbio, o segundo em minério de ferro, manganês e tantalita, o terceiro em grafita, e o quarto em rochas ornamentais. Praticamente produzimos todos os bens minerais, incluindo ainda magnesita, cromita, ouro, barita, agregados, pedras preciosas, quartzo, fosfato, dentre outros. Somos realmente carentes em enxofre e potássio, com um alto grau de dependência externa.
Dentro do processo de modernização dos requerimentos de pesquisa, quais foram os avanços tecnológicos observados nos últimos anos?
Estamos dando muita ênfase à questão da tecnologia da informação, modernizando nossos processos com o objetivo de dar maior transparência, celeridade e segurança jurídica. Em 2005 criamos o pré-requerimento eletrônico, que permitiu acabar praticamente com os indeferimentos de plano que não marcavam prioridade e traziam graves prejuízos aos mineradores, pois perdiam tempo e dinheiro e não atingiam seus objetivos de obtenção do alvará. Com o pré-requerimento, sem que houvesse a necessidade de mudança da lei, conseguimos proporcionar ao minerador uma ferramenta segura, que informa aproximadamente em tempo real se a área está onerada e critica eventuais erros de preenchimento que antes conduziam ao indeferimento sem marcar prioridade. Também instituímos a assinatura eletrônica de alvarás em que o diretor-geral aprova e envia para publicação on-line os alvarás minutados pela área de outorga, quando é o caso.
Quais são os planos do DNPM para os próximos anos?
Dentre as linhas de ação que temos planejado internamente, a mais importante mesmo é a continuidade da modernização. Este é um plano permanente que sempre precisará de atualizações. Este é o foco principal, pois nele é que estão as respostas que a sociedade exige. Com isto, será garantida a implantação futura do novo marco regulatório e a criação da agência reguladora de mineração, que deverá substituir e incorporar as atribuições do DNPM. O governo federal quer criar o Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM) e a Agência Nacional de Mineração (ANM). O Conselho terá o caráter de órgão de assessoria à Presidência da República e irá propor diretrizes e ações para o setor e avaliar e sugerir novas políticas. Terá composição definida por decreto do Poder Executivo e caráter deliberativo, com competência para emitir resoluções, ad referendum do Presidente da República. A Agência vem absorver as atribuições, o passivo, o ativo e servidores do DNPM, e será uma autarquia especial como órgão regulador da atividade econômica e normatizador em nível infra-legal. Terá plenas condições de executar uma legislação menos burocrática e atualizada. Contará com uma diretoria colegiada com dirigentes com mandato e prazo.
A nova lei que substituirá o atual Código de Mineração está sendo considerada o novo marco regulatório e visa fortalecer o poder do Estado no processo de regulação das concessões minerárias e da atividade econômica setorial. Estamos com o anteprojeto praticamente pronto. O principal avanço é a possibilidade de se mudar a relação público-privada, fortalecendo o poder regulatório do Estado, com vistas a garantir plena concorrência, a competitividade da indústria mineral e o caráter estratégico dessa atividade econômica para o país. Redefinir o paradigma não é tarefa fácil. Acredito que, com as propostas que estão no escopo do trabalho, o setor mineral brasileiro em muito ganhará com a aprovação desse novo marco legal.
Considerando futuras alterações no Código de Mineração, é consenso entre os especialistas da área mineral que as mudanças poderão trazer insegurança para os investidores. As modificações são realmente necessárias? Qual é o foco principal da revisão do código?
Discordo que seja consenso entre especialistas. Li a manifestação de um ou outro dirigente de entidade que manifestaram suas preocupações sem maior conhecimento de causa. Após a divulgação dos pontos principais, o que se viu é que de fato o novo marco trará um grande avanço para a mineração brasileira. Já ouvi de muitos que as alterações propostas trazem até mais segurança jurídica. Estamos agora ultimando o texto a ser submetido ao Ministro Lobão. Espero que em breve o Poder Executivo possa encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei sobre o marco regulatório e a agência reguladora.
Quais resultados pode-se esperar dos levantamentos aéreos na região amazônica, intensificados nos últimos anos? Acredita na existência de uma nova província mineral do tamanho de Carajás na região?
País de dimensões continentais ainda pouco conhecido, e considerando que recentes tecnologias de prospecção aerogeofísica estão sendo aplicadas, certamente teremos resultados promissores na região amazônica, que tem inquestionável potencial mineral. Estudos e descobertas pontuais refletem indícios de que há muito a ser descoberto, como petróleo, ouro, cobre, níquel etc. Tecnologias que proporcionem descobertas pontuais que minimizem custos e que não afetem o meio ambiente representam uma modalidade que se tornou prática mundial e que sem dúvida resultarão em novas províncias minerais. Carajás é uma grande província polimetálica e muito rara. Novas descobertas poderão ocorrer talvez em menores dimensões e a maiores profundidades, com tendências monominerálicas. A Amazônia é uma incógnita, onde tudo é possível se encontrar em grande escala.
Como conciliar a exploração mineral na Amazônia com a preservação ambiental? E como seria possível racionalizar o processo de licenciamento ambiental brasileiro?
A mineração tem suas características especiais, como todos nós sabemos, e a principal delas é a rigidez locacional. Isso significa que o empreendimento somente pode ser instalado naquele local, pois é ali que a jazida ocorre – diferentemente de uma montadora de automóveis, que você pode instalar onde preferir. Portanto, se a jazida ocorre na Amazônia, isto já é uma dádiva pelo fato de acontecer em território brasileiro. Assim, o país terá que desenvolver técnicas para tornar o projeto minerário viável do ponto de vista econômico e principalmente ambiental. Ocorre que, depois do minério ter sido explorado, teremos que usar as melhoras práticas de recuperação de áreas mineradas para devolver à sociedade o local da mina em condições para ter outros usos, em função da vocação da região e da vontade da comunidade envolvida. A Amazônia, por sua vez, requer uma preocupação ainda maior. Não podemos engessar economicamente uma região que tem um grande potencial mineral como é o caso da Amazônia brasileira. Portanto, a grande alternativa para a Amazônia é desenvolver a mineração com sustentabilidade.
Quanto à racionalização do processo de licenciamento ambiental, entendo que não caberia aos estados a competência de legislar sobre licenciamento para pesquisa mineral, e que as normas relativas à supressão de vegetação em unidades de conservação de uso sustentável deveriam ser revistas para que fossem adequadas à dinâmica no setor mineral. A pesquisa mineral, a depender da sua fase, praticamente pode não causar qualquer impacto. A mineração evoluiu do ponto de vista tecnológico, inclusive em tecnologias ambientais ou limpas. Pela importância da mineração em termos de utilidade pública, deve ter um tratamento diferenciado se comparado a outras atividades industriais no país.
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