quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O jornalismo indesejável para a ciência/Por Júlio Ottoboni em 08/01/2013 na edição 728


Há momentos em que boa parte dos cientistas deveria descer do Olimpo e reconhecer o valor que a imprensa leiga tem para quebrar paradigmas construídos no meio acadêmico. Embora esteja ela longe da perfeição em suas abordagens, particularmente quando o assunto envolve ciência, é também imensurável sua agilidade em apresentar novos fatos e derrubar antigas certezas. O fenômeno dos tornados em território nacional se tornou um clássico digno de estudos como o preconceito gerado no meio acadêmico é facilmente camuflado sob a égide do zelo científico – e altamente pernicioso para a sociedade.
Logo no primeiro dia de 2013, o site Ambiente Brasil replicou a reportagem que havia sido veiculada no portal UOL – embora já divulgado pela Unicamp em setembro passado e com certa repercussão na imprensa –, a qual apresentou com destaque um assunto que meteorologistas e climatologistas ridicularizaram até pouco tempo atrás: “o Brasil é o segundo país no mundo em incidência de tornados”. Essa afirmação há menos de 15 anos era motivo para qualquer meteorologista brasileiro encerrar uma entrevista.
A veemência em negar esse fenômeno era tanta por parte dos pesquisadores que o assunto se tornou praticamente proibido nas redações dos grandes veículos de comunicação. Era melhor usar um sinônimo – como ventania, vendaval e até o popular “pé de vento”. Tornado, nunca. Pois a ciência nacional rejeitava sua existência e ponto final. Mesmo que esses turbilhões deixassem profundas marcas em cidades, plantações e até mesmo em torres de alta tensão que comprovassem sua espalhafatosa presença.
Obra do deus Adad
A quebra definitiva deste paradigma – termo sofisticado para enrustir as atitudes permeadas de prejulgamento – veio agora de uma fonte inconteste, o Instituto de Geociências da Unicamp. Mas basta um interessado buscar informações no passado recente da meteorologia tupiniquim para entender que há algo difícil de explicar. Pois em menos de duas décadas o fenômeno que sequer ocorria no país surgiu e avançou sobre os limites pátrios alcançando o segundo posto em ocorrências no planeta.
O primeiro estudo apresentado sobre tornados no Brasil ocorreu no evento científico decorrente da Rio 92 – e com pouquíssima cobertura da imprensa –, a Rio-94. O geólogo autônomo Robert Cartner Dyer, de Petrópolis (RJ), pesquisava sistematicamente os tornados desde 1979. Seu vastíssimo material, com observações de campo criteriosas, era amparado por diversas fotos aéreas e comparações com pesquisas feitas nos Estados Unidos. Mas o trabalho de Dyer foi insuficiente para sensibilizar os estudiosos do tempo ou sequer chamar atenção para as comprovações exibidas. A conclusão dos herdeiros do deus do clima e da tempestade Adad, que atormentou as antigas culturas do Oriente Médio, foi a pior possível. Qual era a validade do trabalho de um geólogo a se intrometer numa área de pesquisa tão complexa?
Os pesquisadores do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), órgão ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), eram categóricos ao afirmar que esse fenômeno inexistia em território nacional. Foi quando por obra do deus Adad ou da própria natureza caótica foram visitados por um tornado, em 1996. O funil atravessou as instalações do Inpe, em São José dos Campos (SP), retorcendo árvores e transformando uma antena de aço em algo próximo a um parafuso. Pouco tempo depois, surgiu na USP a primeira tese de doutorado sobre a existência de tornados no Brasil e, como foi desenvolvida por um meteorologista, prontamente aceita. Agora, sim, o país passou a ter oficialmente tornados!
Sistema de alerta
O ano de 2004 foi excepcionalmente violento em termos de tornados na grande Curitiba e em municípios do interior do Paraná, inclusive atingindo áreas povoadas e com estragos materiais significativos. O jornalGazeta do Povo registrou as ocorrências em diversas reportagens, entretanto o assunto perdeu a competição midiática para o furacão Catarina, ocorrido em Santa Catarina. Em 2006, um tornado arrebentou hangares e aviões da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), em São José dos Campos, e mesmo localizada ao lado do Inpe não foi suficiente para que seus cientistas se deslocassem até o local.
Agora foi a vez de um geógrafo, Daniel Henrique Candido, enterrar de vez o mito, se é que alguém ainda duvidava dele, e mostrar cientificamente que há muito mais do que se esperava ou se registrava sobre o fenômeno em território nacional. Contudo, trata-se de um geógrafo e não um ungido pela divindade Adad, o que é um empecilho em credibilidade no sectário meio científico. Embora haja atualmente um fortíssimo apoio informal de milhares de pessoas que utilizaram as câmeras digitais de seus telefones celulares para promover uma enxurrada de imagens de cones tocando o solo. E informações diversas, como as exibidas na página Tornados no Brasil, no Facebook. Além de ter proporcionado à imprensa leiga um período único em noticiar a presença deste fenômeno de norte a sul do país.
Pelo visto, a imprensa, as redes sociais e a sociedade têm auxiliado em muito na divulgação das ocorrências e sobre a frequência desses eventos. Mas sempre ficará a questão: o que será preciso acontecer para que exista um sistema de alerta de tornados e um aprofundamento nos estudos em território nacional? Com a palavra, os meteorologistas.
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[Júlio Ottoboni é jornalista pós-graduado em jornalismo científico]

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