O Estado de S.Paulo
Para disciplinar o trânsito, há muito tempo - isto não é exclusividade do atual governo - a Prefeitura da capital paulista insiste em dar prioridade à punição dos motoristas infratores, em detrimento de outras medidas mais importantes. Uma nova demonstração dessa maneira equivocada de tratar o problema - que pouco tem contribuído para sua solução, ao contrário do que pretendem as autoridades - é a anunciada tentativa da CET de mudar a forma de punir os motoristas por excesso de velocidade, implantando um sistema que pode multiplicar por sete as multas hoje aplicadas. Como ainda se trata só de um estudo, este é o momento ideal para chamar a atenção para os efeitos nefastos dessa tendência arraigada na administração municipal.
Hoje o motorista é punido se ultrapassa o limite de velocidade em um local específico, vigiado por radar, como acontece na esmagadora maioria dos países. A fiscalização passaria a ser feita em mais de um ponto, para calcular a velocidade média desenvolvida ao longo da via, multando-se o infrator. O que levou a CET a pensar nesse método é o fato de os motoristas reduzirem a velocidade nos pontos em que há radar e aumentá-la nos trechos livres desse controle.
Um estudo feito em junho passado pela companhia nas Avenidas Washington Luís, Moreira Guimarães, Rubem Berta e 23 de Maio mostrou que, pelas regras atuais, 337 motoristas foram flagrados pelos radares. Pelo novo sistema, que considera a velocidade média, o número subiu para 2.753. Para calcular a velocidade média foram empregados os radares mais modernos disponíveis na cidade, adaptados para anotar as placas dos veículos que passaram por pontos de entrada e saída daquelas vias.
Diz a CET que esse estudo serve para "abrir a discussão" em torno da matéria. Ela começa pela falta de previsão legal para punição com base nesses critérios, ou seja, sem mudança na legislação de trânsito o novo sistema não pode ser implantado. É bom que seja assim, porque - supondo-se que o assunto seja levado aos legisladores - esse é um processo lento, que permite considerar aspectos da disciplina do trânsito que vão muito além da fúria punitiva - e arrecadadora - hoje predominante.
Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito administrativo da USP, coloca a questão em seus devidos termos. Reconhece, é claro, que o motorista que ultrapassa a velocidade permitida tem de ser multado, mas adverte que "medidas preventivas deveriam ser o foco, não a repressão. Outras possibilidades de melhoria do trânsito poderiam ser pensadas para São Paulo, mas ficamos sempre voltados para a questão da multa".
O histórico da arrecadação proveniente das multas, que não para de crescer, lhe dá razão. Foram R$ 328 milhões em 2004, R$ 350 milhões em 2005, R$ 391 milhões em 2006 e R$ 391,8 milhões em 2007. Em 2008, houve um recuo, pequeno e excepcional - R$ 386 milhões - retomando-se o crescimento em 2009, com R$ 473 milhões, e em 2010, com R$ 532 milhões. Faltam os dados definitivos de 2011, mas tudo indica que se confirmará a previsão de arrecadação de R$ 638 milhões. Não há como escapar à conclusão de que a multa perdeu sua função educativa. Se ainda tivesse essa função, a arrecadação tinha que ter começado a cair. Nem o aumento do número de motoristas explica um crescimento tão grande.
Se pelo menos parte do esforço e dos recursos gastos para aprimorar o aparelho repressivo das multas - cada vez mais sofisticado e eficiente - fosse aplicada em medidas preventivas, a disciplina e a segurança do trânsito estariam em melhor situação, ajudando a reduzir os acidentes. Entre elas, amplas e permanentes campanhas educativas para os motoristas e orientação para os marronzinhos deixarem de lado a obsessão da multa e cuidarem mais da orientação do trânsito. Ajudaria também a melhorar o trânsito a modernização, há muito prometida, do sistema de semáforos da cidade. É assim, como manda a lei, que deve ser investido o dinheiro das multas.
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