Alexandre Rodrigues e Wilson Tosta
Despesas com funcionários públicos elevadas, receita própria reduzida, investimentos escassos ou até inexistentes: essa mistura levou duas em cada três cidades brasileiras (63,5%) a viver situação difícil ou crítica em 2010, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) divulgado oficialmente neste sábado, 17. O indicador, criado pela Federação das Indústrias do Rio para medir a qualidade da administração financeira dos municípios brasileiros, aponta que apenas 95 (1,8%) das 5.266 prefeituras pesquisadas ganhou Conceito A - tinham a chamada Gestão de Excelência. O levantamento apontou que nas Regiões Sul e Sudeste ficavam 81 das 100 municipalidades com melhor desempenho nas finanças. Na ponta inversa, as 93 piores administrações municipais estavam no Norte e no Nordeste - em correlação forte, mas não automática, com a renda.
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Dez anos após a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), o IFGF Brasil, com a média obtida pelos municípios pesquisados, chegou a 0,5321 - 1,9% a mais do que o 0,5221 atingido pelo indicador em 2006. O resultado de 2010 coloca o IFGF nacional no nível de Gestão em Dificuldade e foi negativamente influenciado pelos gastos com pessoal das cidades, cujo indicador caiu de 0,6811 para 0,5773 - menos 15,2%. Estabilidade no custo da dívida (piora de 0,3%) e avanço modesto na receita própria (6,9%) completaram o quadro de dificuldades. A reduzida melhora foi garantida pelo avanço no índice dos investimentos, de 9,5%, e na liquidez, de 16,3% - os dois fatores foram fortemente influenciados pelo crescimento econômico registrado em 2010, quando o Produto Interno Bruto avançou 7,5%, maior expansão em 24 anos.
"Só 2% dos municípios tem gestão fiscal de excelência", avalia Guilherme Mercês, gerente de Estudos Econômicos da Firjan. "A característica em comum desses poucos municípios é o baixo gasto com pessoal e o alto investimento. Esse é o binômio do sucesso." O economista da Firjan lembra que os municípios com contas saneadas têm maior capacidade de investimentos e destaca que a boa infraestrutura é um dos principais atrativos de investimentos produtivos, ao lado dos benefícios fiscais. "Quem tem melhor infraestrutura é quem atrai mais empresas, por isso as prefeituras precisam investir", afirmou.
Apenas três capitais - Porto Velho (RO), em 12º lugar (por causa da receita gerada a partir das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau), Vitória (ES), em 31º, e Porto Alegre (RS), em 92º - integravam a elite dos municípios brasileiros cuja administração financeira era considerada excelente em 2010. A lista geral (com todas as cidades do País) era encabeçada por Santa Isabel (GO), cujo IFGF chegou a 0,9747, e fechada por Ilha Grande (PI) - IFGF 0,0778. São Paulo, quarta capital em melhor situação, foi considerada com Boa Gestão - IFGF 0,7797, 147ª posição nacional. Seu resultado não foi melhor por causa da dívida com a União e dos baixos investimentos. A cidade do Rio de Janeiro também obteve o grau de Boa Gestão, com IFGF de 0,6714. Foi a 14ª entre as capitais e 1.006ª no ranking geral, em grande avanço sobre 2006, quando estava no degrau número 2.607.
Apesar o quadro financeiro majoritariamente difícil ou crítico, alguns dados obtidos na pesquisa mostram avanços que, presumivelmente, são efeitos da LRF. Apenas 384 (7,3%) das 5.266 cidades gastavam com pessoal, em 2010, mais de 60% da Receita Corrente Líquida (soma da arrecadação tributária de um governo, deduzidas as transferências constitucionais) - limite estabelecido no artigo 19 da Lei 101/00. Menos de 20% (19%, 1.029 prefeituras) não tinham em caixa dinheiro para honrar os restos a pagar (despesas de um ano, cujo pagamento é transferido para o Orçamento do seguinte) - a LRF também estabelece limites a essa prática. A pesquisa também constatou que 1.686 (32%) dos municípios investiram mais de 16% das suas receitas.
Mercês reconhece os efeitos positivos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre as contas das prefeituras, mas adverte que muitas cidades interpretaram "erroneamente" o teto de 60% para as despesas com funcionalismo não como um teto a ser evitado, mas como um ponto ao qual poderiam chegar. "Os gastos com pessoal, no início da década, estavam em 43% da Receita Corrente Líquida, em 2010 chegaram a 50%", diz. "Em média, o pagamento dos servidores cresceu 7%."
O IFGF vai de 0 a 1 - quanto maior, melhor a situação financeira da prefeitura - e divide-se em quatro conceitos: A, para quem recebe mais de 0,8 e 1, considerada Gestão de Excelência; B, para mais de 0,6 e 0,8, considerada Boa Gestão; C, para a faixa de mais de 0,4 e 0,6, a Gestão em Dificuldade; e D, para a faixa de zero a 0,4, Gestão Crítica. Os técnicos da Firjan atribuíram nota máxima para as cidades que conseguem obter pelo menos 50% de receita própria, mas 83% não consegue gerar nem 20% do que precisam para manter funcionários e serviços. São 4,3 mil prefeituras que dependem excessivamente dos repasses de estados e municípios.
"Somente 83 cidades do Brasil têm recursos próprios para cobrir gastos com pessoal. A maioria vive no fio da navalha, com altos gastos e receitas incertas. A dependência de repasses deixa esses municípios sujeitos a crises recorrentes", diz Mercês. Um exemplo é a grita provocada entre prefeitos de estados produtores de petróleo com as mudanças na distribuição de royalties aprovada no Congresso.
Situação boa. Mais de um terço das cidades brasileiras (34,6%, ao todo 1.821 municipalidades) estava em situação considerada boa em 2010. Além de São Paulo e Rio, outras 14 capitais estaduais estão nessa situação: Campo Grande (MS), Florianópolis (SC), Rio Branco (AC), Recife (PE), Manaus (AM), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Goiânia (GO), Fortaleza (CE), Palmas (TO), Aracaju (SE) e João Pessoa (PB). A maioria das capitais ficou atrás de cidades médias ou pequenas, como Paulistânia, a primeira das cidades com "Boa Gestão", com Conceito B - IFGF 0,7998. Quase metade dos municípios (2.302, ou seja, 43,7%) ganhou Conceito C - Gestão em Dificuldade. Outras 1045 cidades (19,8%) levaram nota D - Gestão Crítica. "A cultura da responsabilidade fiscal ainda não se consolidou no País", resume Mercês.
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