Mercosul completa 18 anos: bom momento para pensar o futuroO Mercosul está completando 18 anos. O momento é propício para uma reflexão sobre o processo de integração. A crise mundial representa novo desafio para o Mercosul. Pensar sobre os rumos da integração nesse cenário de dificuldades econômicas determinadas pela redução da demanda mundial, pela queda dos preços das commodities, pelo enxugamento das linhas de crédito e pelo acirramento do protecionismo é uma tarefa desafiadora para governos e para empresários.
A estratégia de priorizar a integração do Cone Sul, que vem sendo adotada pelos governos brasileiros desde então, tem sido amplamente respaldada pelo setor privado, em geral, e pela indústria, em particular. O Mercosul desempenhou e continua a desempenhar importante papel na internacionalização das empresas brasileiras.
Os dados do comércio com os parceiros do bloco mostram um resultado extremamente favorável ao Brasil. Em 2008, o superávit brasileiro com os sócios foi de US$ 6,8 bilhões. Desse total, a Argentina foi responsável por US$ 4,3 bilhões. Entre 2004 e 2008, o saldo comercial do Brasil praticamente triplicou.
A importância do intercâmbio comercial do Brasil com os sócios para a indústria brasileira reside na composição das nossas exportações. Essa composição evidencia uma contribuição especial de produtos industrializados. Em 2008, dos US$ 21,7 bilhão vendidos pelo Brasil ao Mercosul, os produtos industrializados representaram 95% do total.
O Mercosul também tem sido importante destino de investimentos diretos de empresas brasileiras em processo de internacionalização. A Argentina, em particular, tem recebido investimentos importantes de empresas brasileiras de portes variados e atuando em diversos setores. A contribuição do setor privado brasileiro para a recuperação industrial daquele país tem sido notável em setores como o siderúrgico, o têxtil, o automotivo e de autopeças, o químico, dentre outros.
As relações políticas e econômicas entre o Brasil e os parceiros do Mercosul, ao longo dos anos, mostram avanços irrefutáveis. Não foram poucas as oportunidades em que os foros de diálogo do bloco propiciaram a superação de conflitos, seja na esfera econômica ou no campo político. Mas continuamos enfrentando muitos desafios. Para o setor industrial, o mais premente deles é a solução para o déficit de implementação dos compromissos acordados e da instabilidade de regras comerciais, que contribuem para um clima de incerteza para a atuação empresarial.
O setor privado brasileiro almeja uma zona de livre comércio no Mercosul, realmente livre de barreiras tarifárias e restrições não-tarifárias. Almeja, também, uma união aduaneira perfeita, caracterizada por uma Tarifa Externa do Mercosul sem exceções e por um Código Aduaneiro Comum que consolide a política comercial dos países em relação ao exterior.
O Brasil encerrou, em 2008, a presidência brasileira pro tempore do bloco com a frustração de: I) não ter obtido a aprovação do Código Aduaneiro do Mercosul; II) não ter concluído a tarefa de eliminação da dupla cobrança da TEC intra Mercosul; e III) não ter alcançado um compromisso entre os países sobre a distribuição da renda aduaneira.
Os avanços também foram escassos na agenda de negociações externas do Mercosul. Os acordos firmados têm pouco significado econômico. No período recente, diferenças nas políticas econômicas e nas preferências por modelos de inserção internacional tornaram mais difícil manter a coesão do bloco nas negociações externas. Para nós, a solução é focar nos interesses econômicos para viabilizar acordos comerciais de maior peso, incluindo acordos com países desenvolvidos, e continuar trabalhando para a conclusão bem sucedida da Rodada Doha da OMC.
Por fim, entre os grandes desafios do Mercosul está a adesão da Venezuela ao bloco. Os interesses econômicos do Brasil na Venezuela são relevantes. O superávit comercial brasileiro, em 2008, foi de US$ 4,6 bilhões. Contudo, esse resultado não dependeu da adesão do país ao Mercosul, cujo Protocolo ainda não foi aprovado pelo Congresso brasileiro. A avaliação da CNI é de que a adesão seja concluída no momento em que houver equilíbrio entre direitos e obrigações. Neste sentido, será importante contar previamente com a adesão da Venezuela às normas já aprovadas pelo Mercosul, bem como garantir o acesso ao mercado venezuelano.
A crise mundial representa, em si, o maior desafio para o processo de integração. A queda da demanda mundial e a ausência de crédito estão contribuindo para o acirramento do protecionismo, que pode se converter no maior perigo para o processo de integração entre os países. Os números do comércio nesses dois primeiros meses do ano revelam uma retração importante, comparativamente aos meses do ano passado.
As exportações brasileiras para o Mercosul experimentaram uma queda que beira os 50%. Neste cenário, não nos parece conveniente a adoção de restrições ao comércio que não contribuem para a superação da crise e, por outro lado, tendem a provocar conflitos setoriais com impactos nas cadeias produtivas.
A criatividade será importante neste período de dificuldades. Instrumentos como o comércio em moeda local - mecanismo já existente entre Brasil e Argentina - poderão contribuir para a recuperação dos fluxos comerciais. A realização de estudos sobre acesso a novas linhas de crédito e também sobre medidas de aperfeiçoamento do Convênio de Crédito Recíproco - o CCR que é utilizado no comércio na esfera da Aladi - podem apoiar o processo de integração, evitando retrocessos nos compromissos do Mercosul.
Armando Monteiro Neto é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Fonte: Valor Econômico - 05/05/09
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