Especiais
Prova dos vírus
7/5/2009
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – Os primeiros casos de pacientes brasileiros possivelmente infectados pelo influenza A (H1N1), que causa a gripe suína, deverão começar a ser diagnosticados no início da semana que vem em território nacional, de acordo com docentes da Universidade de São Paulo (USP) reunidos em evento no Instituto da Criança da USP, na manhã desta quarta-feira (6/5), na capital paulista.
Isso porque os laboratórios e órgãos de saúde pública no Brasil estão prestes a receber, do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), os kits de biologia molecular para o diagnóstico de pessoas infectadas pelo vírus no país.
“Os laboratórios devem começar a receber os kits ainda no fim desta semana, quando poderão dar início aos testes para sabermos quantas são as pessoas no Brasil que de fato contraíram o H1N1 suíno. Certamente muitas crianças e adultos suspeitos no país contraíram outras formas da doença”, disse Edison Durigon, professor titular do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Segundo ele, os kits devem chegar primeiramente a três laboratórios colaboradores da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Instituto Adolfo Lutz, a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Evandro Chagas, para em seguida serem enviados a outros órgãos de saúde no país.
“Ao mesmo tempo, a OMS e o CDC já disponibilizaram em suas páginas na internet toda a sequência de reagentes necessários para a montagem dos kits por qualquer laboratório interessado. E muitos deles, em diversos países, já estão usando esse protocolo para elaborar o kit diagnóstico”, explicou Durigon.
De acordo com o pesquisador, existem três tipos do vírus influenza: A, B e C. O vírus da gripe suína que surgiu no México e que se espalhou por 22 países é da família dos vírus de tipo A, o que o tornou conhecido pela OMS como influenza A (H1N1).
Os diferentes subtipos da gripe são definidos em função das proteínas do envelope viral, sendo que os vírus A e B têm dois tipos de proteínas de superfície: a hemaglutinina (H) e a neuraminidase (N).
“A hemaglutinina é a proteína responsável pela adesão do vírus e pelo seu primeiro contato com a célula, enquanto a neuraminidase faz com que o vírus penetre e se replique na célula”, disse.
A denominação H1N1 atual, que é uma mistura de duas cepas suínas, uma aviária e uma humana, corresponde, portanto, à hemaglutinina de tipo 1 e à neuraminidase de tipo 1. “Existem hoje 15 tipos diferentes de hemaglutinina e, pelo menos, nove de neuraminidase, o que permite combinações que podem gerar, teoricamente, uma infinidade de novos vírus”, conta.
Segundo Durigon, todos os 15 tipos de hemaglutinina e os nove tipos de neuraminidase coexistem nos anatídeos, família de aves aquáticas que inclui patos, gansos e marrecos.
“Os anatídeos foram contemporâneos dos dinossauros e o vírus influenza também existe desde aquela época. Por isso, há até quem diga que os dinossauros foram extintos por causa do influenza, enquanto os anatídeos existem até hoje e são considerados hospedeiros naturais do influenza, especialmente os patos”, explicou. Gripe suína e sazonal
O vírus influenza A (H1N1) da gripe suína é diferente do H1N1 da gripe sazonal, o vírus de origem humana mais comum e que responde por uma taxa de letalidade de 0,5%, enquanto que as mortes causadas pela variação suína do vírus já representam 0,6% dos casos confirmados de pessoas infectadas.
Em sua escala de risco de pandemia, a OMS considera o nível 5 de alerta em relação à influenza A (H1N1), sendo 6 o nível máximo. Até o momento, de acordo com os números oficiais da OMS, 1.516 pessoas já contraíram a gripe suína em todo o mundo, com 30 óbitos registrados.
O estado de pandemia ocorre, explicou Durigon, quando há uma epidemia do mesmo vírus em pelo menos dois continentes e é nesse momento que a OMS decreta a classificação 6 em sua escala. “Isso ainda não ocorreu oficialmente, pois acredita-se que a maior parte dos casos registrados ao redor do mundo, apesar de crescerem rapidamente, seja importada de outros países. Mas tudo indica que teremos um vírus pandêmico muito em breve”, apontou.
Marcelo Vallada, infectologista clínico do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, vinculado à Faculdade de Medicina da USP, também presente no encontro, destacou os grupos de risco do vírus influenza, entre os quais crianças, idosos e pacientes de qualquer idade com doenças cardiopulmonares crônicas.
“As gestantes têm quatro vezes mais riscos de ter complicações causadas pelo influenza, quando comparada a mulheres sadias não gestantes da mesma idade. Por isso, existe uma recomendação da OMS para que todas as gestantes tomem a vacina da gripe”, alertou.
De acordo com Vallada, calcula-se que mais de 250 mil pessoas morram todos os anos no mundo devido a doenças relacionadas ao influenza, em suas diferentes linhagens. “Só nos Estados Unidos, onde os dados são mais apurados, são estimadas 20 mil mortes anuais causadas pelo vírus.” Viral Genetic Diversity Network
Durigon é um dos coordenadores gerais da Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN, na sigla em inglês), lançada em 2000 como um dos resultados do Programa Genoma FAPESP.
A VGDN também está se organizando internamente, de acordo com ele, em seis centros de pesquisa vinculados à rede para a realização dos testes diagnóstico da gripe suína nas máquinas “real-time PCR” (Polymerase Chain Reaction), adquiridas com recursos da FAPESP.
São eles: Instituto Adolfo Lutz, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, Instituto de Ciências Biomédicas da USP e Universidade Estadual Paulista (Unesp), nos campus de Botucatu e São José do Rio Preto, no interior paulista.
“A idéia é disponibilizar a capacidade instalada na rede VGDN, por meio dos laboratórios nesses centros de pesquisa, a pesquisadores de outras entidades vinculadas à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Temos seis laboratórios montados com capacidade para fazer as análises do influenza A (H1N1), seguindo todos os padrões de biossegurança exigidos atualmente pela OMS”, disse à Agência FAPESP.
A VGDN é formada por dezenas de laboratórios espalhados pelo Estado que estudam as variedades genéticas de vírus. Para montagem e treinamento da rede foram estudadas as variedades genéticas de quatro vírus: HIV-1, tipo de vírus da Aids mais comum no Brasil; o HCV, agente causador da hepatite C; o hantavírus, que provoca a síndrome pulmonar; e o vírus respiratório sincicial, responsável por infecções no trato respiratório.
A VGDN se concentra na classe de microrganismos que abriga os menores agentes causadores de processos infecciosos de que se tem notícia. Apesar de terem um genoma pequeno, estudá-los é fundamental para entender a diversidade entre as cepas e as suas mutações.
Além de serem organismos com estruturas genéticas instáveis, os quatro vírus do projeto têm características em comum, fato que pesou na sua escolha como objeto de estudo da VGDN: todos causam doenças com alto grau de letalidade, para as quais ainda não há vacinas.
Ao capacitar laboratórios de várias cidades de São Paulo a lidar com vírus, a VGDN persegue ainda o objetivo de dotar o Estado de um conjunto de laboratórios que, no futuro, poderão ser utilizados de forma permanente e corriqueira pela Secretaria de Estado da Saúde.
Mais informações sobre a Rede VGDN: www.lemb.icb.usp.br/vgdn/www
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