O silêncio de Gilmar
Por Alberto Dines em 4/8/2009
O paladino da liberdade de expressão, o ministro Gilmar Mendes, preferiu não se manifestar na segunda-feira (3/8) a respeito da decisão do desembargador Dácio Vieira de proibir o Estado de S.Paulo de continuar a veiculação de informações sobre a Operação Boi Barrica que enredou o filho do senador José Sarney e gerenciador dos seus negócios.
O ministro tinha um bom pretexto: na condição de presidente do Conselho Nacional de Justiça, deveria comandar a solenidade de recepção dos novos conselheiros. Contrariando os seus hábitos, foi extremamente comedido: saudou protocolarmente os novos conselheiros, anunciou em termos sucintos as metas do CNJ e louvou o planejamento estratégico "como instrumento indispensável à administração da justiça".
O processo político em frangalhos, o Legislativo achincalhado pelo fisiologismo, o Estado de Direito ameaçado por magistrados ineptos e o presidente da suprema corte adota a postura de um CEO preocupado com a administração dos seus negócios, esquecido dos valores que estão sendo destroçados.
Irrelevâncias, modismos
A censura togada mostra, mais uma vez, que veio para ficar. Um quarto de século depois da redemocratização voltamos ao vale-tudo. Desta vez expresso em juridiquês. Os senadores Fernando Collor e Renan Calheiros, igualmente acusados de improbidade, são proprietários de currais midiáticos em Alagoas, o estado que dividiram entre si. E, no entanto, não pouparam ataques à mídia na vergonhosa sessão de reabertura dos trabalhos legislativos. Como se a imprensa fosse culpada pelos vexames produzidos na Cidadela da Devassidão, também chamada de Senado.
O senador José Sarney declara que em sua longa carreira política jamais processou um jornalista e, em seguida, lê uma nota em que designa o trabalho jornalístico do Estadão como "infamante campanha". Tenta demarcar-se da ação patrocinada pelo filho, o empresário de mídia Fernando Sarney, e, ao mesmo tempo, endossa o ato censório promulgado por um magistrado ligado ao seu clã.
A República vive um de seus piores momentos – a única instituição capaz de salvá-la é a imprensa. Só ela é capaz de despertar a sociedade diante das emergências. Ao mesmo tempo em que distrai o cidadão com a enxurrada de irrelevâncias e modismos, também é capaz de embargar esta avalanche de hipocrisia e cinismo.
Coluna semanal
A censura ao Estado de S.Paulo foi anunciada na sexta-feira (31/7), véspera do vácuo do fim de semana. O jornal agredido protestou com veemência na segunda (3/8), em editorial (ver "Afronta à democracia"). O Globo e Folha de S.Paulo preferiram esperar, não querem valorizar o competidor.
O triunvirato de jornalões sabe irmanar-se em questões monetárias ou quando investe contra os moinhos de vento da regulamentação. Foi uníssono na liquidação da exigência do diploma e da especificidade do ofício jornalístico, mas não consegue marchar unido em defesa da democracia. Ao recusar a imediata solidariedade a um concorrente revela o seu lado menos nobre, mais corporativo e oportunista.
Neste mesmo triunvirato o papel pior está sendo desempenhado pela Folha. É doloroso perceber que o jornal que em apenas 34 anos tornou-se o mais influente do país sem recorrer a espalhafatosas reformas, apoiado apenas em suas páginas de opinião, em seis meses entregou os pontos. A manutenção da coluna semanal de José Sarney confronta o seu garbo e a sua intransigência em favor do jornalismo independente, livre de compromissos políticos, de rabo preso no leitor.
Haraquiri coletivo
Na sexta-feira (31/7), a Folha foi novamente pisoteada por Sarney ao publicar – pela primeira vez nesta crise – um artigo claramente parcial, demagógico, impertinente, hostil à imprensa e ao clamor da sociedade. O libertário Sarney investiu contra a empresa que edita a Folha de S.Paulo, contra o jornal onde se abriga, contra seus colegas de página e contra os leitores que abominam a sua hipocrisia. Trechos:
** "Hoje com a sociedade de comunicação, os princípios da guerra aplicados à política são mais devastadores do que a guilhotina da praça da Concorde. O adversário deve ser morto pela tortura moral..."
** "Como julgar uma democracia em que não se tem uma lei de responsabilidade da mídia, nem direito de resposta, diante deste tsunami avassalador da internet e enquanto a Justiça anda a passos de cágado? Como ficam os direitos individuais, a proteção à privacidade, o respeito à pessoa humana?"
Impossível ignorar a óbvia existência de um pacto entre o jornal e o seu colunista: ele manteria a sua coluna desde que não a usasse para defender os seus interesses pessoais ou políticos. O pacto funcionou desde o início de fevereiro até a sexta-feira, 31/7.
O político amapo-maranhense, mais uma vez, passou a perna no parceiro, não cumpriu a palavra: usou o jornal para satanizar a imprensa e para vitimizar-se. A esta altura, Sarney faz com a Folha o que bem entende. Acreditou na campanha de assinaturas do jornal pela TV e acha que todos são moscas.
Neste haraquiri coletivo, às vésperas dos 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial, conviria parafrasear Winston Churchill: "Nunca tantos se imolaram tanto por tão pouco".
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