Domingo de manhã, saio de casa e dou com o carro Peugeot cinza escuro, estacionado, cheio de tranqueiras, como se fosse uma caçamba. Reapareceu depois de uma ausência. A rua cheia de gente passeando com os cachorros. Cada vez mais cachorros. Por alguma razão, parece que todos decidiram sair ao mesmo tempo, talvez pelo céu nublado, pela temperatura fresca. A padaria, no entanto, estava tranquila, diferente de outros dias, quando fica lotada, quem sabe é o cursinho que foi aberto no meio da quadra. Ali onde já foi a pizzaria Macedo, do Luis Carlos, um dos melhores zagueiros da história do Corinthians; depois Forró do Dominguinhos, ainda que eu jamais tenha visto o Dominguinhos por aqui; em seguida, uma igreja que teve curta duração e escassos fiéis, que deu lugar a uma empresa misteriosa, de janelas lacradas, ninguém via o que se passava lá dentro, diziam que seria um telemarketing. Enfim, agora é cursinho, cheio de jovens que fazem a padaria CPL bombar. Já os estudantes da faculdade de Direito local (não é local? Claro que é) elegeram o bar do Joaquim, ou do Pinguim, certas horas é uma rua de jovens.
O senhor do 512 está junto a árvore torta alertando os que passam para que não batam a cabeça. Há um ar de fraternidade, todos se cumprimentam e comentam a decepção. No sábado, 19, em São Paulo, ninguém tinha visto a super-Lua. Maldito tempo fechado, justamente na noite em que a Lua atingiu seu ponto mais próximo à Terra (o que acontece de 20 em 20 anos) deveria aparecer imensa, trazendo energia positiva. Esperamos que traga, ainda que não a tenhamos visto. No caminho, encontro figuras que fazem o bairro. Viola, o bailarino, professor, com seu corpo de criança, a fazer inveja, e Ciça, sua mulher, caminham, é o andar por andar, fugindo do volante. Comum darmos com o diretor teatral Naum Alves de Souza, o Arnaldo Jabor ou Djalma Bom (lembram-se dele?) Sumido está o editor Fernando Mangarielo. Falta faz o Julio Lerner, que sempre me relatava o fascinante que foi ir em busca da terra natal de Clarice Lispector.
A rua e adjacências mudam no ritmo de São Paulo. Há um novo edifício em conclusão, de 14 andares; há meses uma casa azul-escuro espera a chegada de Alexandre Herchcovitch (virá?); uma loja, a Cinco Décadas, ganhou o apelido de "a janela das seis lâmpadas", por causa das luminárias e abajures expostos; a Casa Casa deu certo, ampliou, enquanto a Argento durou pouco, já fechou. Uma loja, À La Garçonne, traz roupas descoladas, na Varuzza são móveis anos 50 e a Thomaz Saavedra me atrai pelos cartazes de cinemas, geralmente filmes antigos. Os tradicionais continuam em seu lugar, como o Pepe sapateiro, a farmácia de Selma e Vanda, a quitanda do Edson, o supermercadinho dos chineses, a autoelétrica do Pereira, com o chorinho das quartas-feiras, Henrique e Jane que implantaram os vinhos no bairro, a banca do Cid, a clínica de acupuntura da esquina, onde as consultas são impossíveis, filas enormes. Ao lado do restaurante Arturito, Delia e Ana mantêm a videolocadora de clássicos S"Different, agora com um café que funciona a tarde inteira, no qual o sanduíche de carne com berinjela ou abobrinha é enternecedor. No bar Vianna, a margarita é excelente e a lula à doré, perfumada.
Maioria dos conhecidos que encontro esta manhã está a caminho do breakfast no Las Chicas, na Oscar Freire, ao lado da pizzaria Bonde Paulista, esquina da Artur Azevedo. Já correu de boca em boca que Carla Pernambuco e Carolina Brandão chegaram. O lugar virou moda, é point. Ali vejo Ricardo Freire (quem descreve viagens melhor do que ele?) em uma mesa imensa, são as pessoas do seu blog, no café da manhã, comendo o ovo no pão (precisa comer, para saber), enquanto prefiro a coalhada caseira com mel ou granola e o misto-quente no pão de miga.
O Las Chicas tem café da manhã, depois serve almoço, um "quilo" sofisticadíssimo, com a sabedoria de Carla e Carolina, no fim da tarde é happy hour e finalmente lanche ou jantar. Quero dizer que se tornou lugar preferido pelas mulheres. Lindas mulheres juntam-se no Las Chicas para negócios, fofocas, jogar conversa, exibições (o que há de bolsa Vuitton, Hermés!). Sonia Racy, Joyce, Mônica Bergamo, mandem seus fotógrafos.
Caminho, um e outro comenta a volta do Peugeot caçamba, um mistério. Passa semanas estacionado, some, retorna. Um carro lotado de papéis, folhetos, revistas, catálogos. Livre somente o banco do motorista. Dentro vislumbrei um pneu, um caixote, jornais, provas de um livro sobre o Cepal, um volume sobre A História do Pensamento Econômico, outro sobre a Instabilidade e a Criatividade nos Mercados Financeiros Internacionais, um volume dos Arquivos de Celso Furtado, outro com o título Em Busca do Novo, um estudo sobre O Brasil e o Desenvolvimento da Obra de Bresser Pereira, um exemplar da revista Inteligência com a chamada de capa Não Vai Dar Certo. Finalmente o livro de Drauzio Varella, Por Um Triz. E blocos, revistas, sacolas, garrafas de plástico, quadros a óleo. O que significa tudo isso? De quem é esse caro que permanece semanas estacionado?
Ninguém parece saber quem é o dono, o que significa aquele depósito. Na manhã de domingo, olho longamente para o Peugeot, volto para ler os jornais, deixo o dia escorrer e ao dar comida aos gatos vejo que também tenho fome, vou para o Buttina, em cujo jardim posso comer debaixo de jabuticabeiras, posto em sossego e feliz com este pedaço de Pinheiros.
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