Código Florestal: um impasse
Brasília, 3 de março de 2011.
A reforma do Código Florestal, que hoje é disciplinado pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, gera muitas divergências entre especialistas. A tentativa de modernização abrange assuntos que envolvem diversos setores profissionais e, por esse motivo, torna-se difícil chegar a um acordo. Na tentativa de melhorar a situação e chegar a um consenso, foi instalada nesta quarta-feira (2/3), pela Câmara dos Deputados, uma “Câmara de Negociação” para debater os aspectos mais polêmicos das propostas de alterações no Código contidos no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
A Câmara será composta por 14 deputados: quatro da bancada da agricultura; quatro da área de meio ambiente; dois da Liderança do Governo e dois da Minoria, além do relator Aldo Rebelo e do representante da Mesa Diretora, o primeiro-secretário Eduardo Gomes (PSDB-TO), que vai coordenar o trabalho. O tema também foi alvo de discussão no Painel “Cenário Agroflorestal Nacional e Internacional – Ameaças e Oportunidades” ocorrido em Brasília (DF), durante o Encontro de Lideranças do Sistema Confea/Crea, de 21 a 25 de fevereiro de 2011.
Debate socioeconômico e ambiental
Segundo o conselheiro federal engenheiro agrônomo Kleber Souza dos Santos, existe hoje um reconhecimento por parte dos profissionais e de toda a sociedade de que o Código precisa ser modificado. Acontece que “os debates técnicos estão perdendo a predominância em função de interesses diversos de alguns setores”. Um exemplo típico, segundo ele, é a definição da distância que deve ser preservada das margens do curso d’água para cultivo. “Esse é um debate que precisa, primordialmente, atentar para as questões técnicas”, afirma.
Outro aspecto que deve ser observado, segundo Kleber, é que o Código é uma legislação que, no fundo, trata do ordenamento territorial, com atenção na questão ambiental. “É uma legislação que disciplina a ocupação racional do espaço, podendo, inclusive, ajudar no combate às catástrofes como as que vêm ocorrendo no país devido à ocupação inadequada do solo”.
Para Kleber, o debate precisa ser intensificado. Os grupos que discutem o Código Florestal são defensores de interesses muito fortes e com posicionamentos bastante divergentes. “Sob o ponto de vista agronômico, não há necessidade de desmatar mais para produzir. As áreas atualmente ocupadas na agricultura estão tendo incrementos sucessivos de produtividade. Por outro lado, existem várias comunidades ribeirinhas e agricultores familiares que dependem das áreas de preservação permanentes”, disse o conselheiro. Em sua opinião, o que tem de ser discutido é o manejo sustentado dessas áreas, a exemplo da utilização de produtos não-madeireiros (aqueles que podem ser obtidos mantendo a floresta em pé - frutos, fibras, óleos) que podem gerar uma boa fonte de renda “Nesse sentido, a legislação tem de ser rediscutida, pois, hoje, não se permite isso”, explica.
De acordo com ele, existe, atualmente, uma contradição: a legislação restringe a produção de tal maneira que desestimula, principalmente para a população de baixa renda, a manutenção econômica dessas áreas. “É importante manter a floresta em pé por conta da questão ambiental e social, mas é, também, essencial incentivar mecanismos que beneficiem as comunidades e os agricultores pela manutenção”, afirma.
Preservação ambiental e burocracia
“Não acredito que tenha como chegar a um consenso. São grupos que falam línguas diferentes”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais (SBEF), Glauber Pinheiro, em relação às divergências entre ambientalistas e ruralistas. Segundo ele, a proposta apresentada pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) pode gerar impactos ambientais negativos, pois parte de princípios errados, como o de que, para a agricultura desenvolver, é preciso devastar, converter área. “Os números mostram que isso não é verdade. A floresta em pé pode trazer uma produtividade para o produtor maior do que a agrícola”, disse.
Para Glauber, também são falácias os argumentos de que remover a floresta não causa impacto ambiental ou de que o conceito de propriedade é relativo. Para ele, a propriedade das florestas pode ser dos produtores, porém, pela própria constituição, a floresta não é deles, mas, sim, um direito de toda a sociedade.
Assim, afirma: “Minha opinião é de que é preciso gerar renda sem derrubar a floresta”. Para ele, é necessário desburocratizar a atividade florestal. “Hoje, você consegue tirar a floresta toda para plantar, mas não consegue fazer isso aos poucos, por exemplo. A burocracia dificulta algumas ações”. E como medidas para atingir esse objetivo, cita a necessidade de incentivar as linhas de crédito para serviços florestais que estimulem o manejo florestal, por exemplo. Outro caso é a concessão de florestas públicas, que pode garantir uma gestão sustentável e impedir a degradação das florestas. “Essa possibilidade é muito criticada, mas há uma série de regras que garantem que ela seja devolvida”, explica.
Preconceitos e paradigmas
O presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab), José Levi Montebelo, para falar sobre as propostas de alteração do Código Florestal, descreve antes aspectos culturais da sociedade. Para ele, “o grande problema da atualidade é que os indivíduos, embora sejam seres gregários, vivem e insistem em viver individualmente, mesmo que coletivamente”. Ele explica que a internet e a mídia em geral são fatores que propiciam essa segregação e fazem com que facilmente conceitos virem preconceitos e, posteriormente, paradigmas. E ao falar sobre o tema, José Levi faz referência ao cigarro, lembrando da discriminação àquelas pessoas que fumam. Questiona, então, o porquê de ignorar os malefícios causados pelo álcool enquanto se critica o fumo, por exemplo, sendo que ambos são prejudiciais.
Nesse contexto, para ele, o único tema que une o planeta atualmente é o meio ambiente. “O mundo não está obedecendo à ONU ou ao FMI, mas se alinha em torno de uma economia verde”, diz. Entretanto, em sua opinião, é preciso eliminar o desequilíbrio causado pelo excesso de seres humanos no planeta. “Temos de entender que o planeta comportaria 2,0 bilhões de humanos e hoje somos 6,7 bilhões”, ressalta. E o controle desse desequilíbrio, segundo ele, tem sido obtido pela capacidade racional do ser humano que proporcionou o avanço tecnológico.
Levi lembra, então, que no passado não existia adubo, antibiótico ou asfalto. Ao contrário, hoje, com a tecnologia, é possível produzir grandes quantidades de alimento. Segundo ele, a agropecuária brasileira é superavitária e é ela que vai possibilitar ao Brasil alcançar a posição de primeiro mundo. “Nos últimos 20 anos mais que dobramos a produção de alimentos numa mesma área. Quanto maior o número de alimentos produzidos numa mesma área, menos terra tiraremos da natureza”, afirma. Ainda, destaca que no Brasil, dispomos de 60% de cobertura vegetal nativa, quando na Europa, esse número é apenas de 0,3%.
Por fim, diante desse cenário, Levi comenta que a discussão em torno do Código Florestal tem sido uma questão de emotividade, quando, de fato, os profissionais com conhecimento científico que deveriam ser ouvidos para deliberar sobre o assunto. “Tudo tem de ser feito à luz do conhecimento”, ressalta. Em sua opinião, as Organizações Não-Governamentais não souberam fazer a lição de casa. “Ecologistas emotivos têm de ouvir e aprender a razão da tecnologia agronômica”, disse.
Leia também a opinião Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), sobre o assunto. Clique aqui.
Tânia Carolina Machado
Assessoria de Comunicação do Confea
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