sábado, 12 de março de 2011

ÁGUA MAL TRATADA-OPINIÃO/ESTADÃO

O Estado de S.Paulo
Se evitasse com mais eficiência as perdas de água tratada em decorrência de vazamentos, ligações clandestinas e fraudes, e convertesse parte do dinheiro assim economizado em investimentos, o Brasil conseguiria reduzir de maneira significativa o prazo para que toda a população seja atendida por sistemas públicos de distribuição do precioso líquido. Como mostrou o Estado na terça-feira, em reportagem de Edna Simão, o País perde anualmente R$ 7,4 bilhões com vazamentos de água. Essa perda equivale a três quartos dos investimentos anuais em saneamento básico que precisam ser feitos até 2015, para universalizar os serviços.

Nem tudo o que se perde pode se recuperado. Há um nível de perda considerado tolerável, e que decorre de problemas temporários da rede, de falhas nos equipamentos de medição ou de ligações não cadastradas. Estima-se que o País poderia recuperar 60% das perdas, ou R$ 4,4 bilhões por ano, com algum investimento e melhores práticas de administração.

As empresas e autarquias municipais e estaduais responsáveis pelos sistemas deixam de faturar cerca de 40% da água que colocam em suas redes de distribuição, de acordo com cálculos do consultor Airton Gomes. É o dobro da média considerada ideal pelo secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Leodegar Tiscoski.

Em alguns casos, os prejuízos são muito maiores. As companhias de saneamento do Amazonas, do Amapá e do Maranhão têm perdas de mais de 70%, de acordo com o Índice de Perdas de Faturamento, que compara o volume de água colocado na rede e o volume não faturado. O tamanho do prejuízo é produto de velhos vícios políticos, má qualidade gerencial e precária situação financeira de boa parte das empresas, incapazes até mesmo de cobrar o que lhes é devido.

De acordo com a lógica político-eleitoral que predominou no País durante anos, investir em saneamento básico não rende votos, pois a obra não é visível. Essa lógica está sendo trocada por outra, a de que o investimento deve ser inteiramente voltado para a expansão da rede - que, certamente, precisa ser ampliada -, ignorando-se quase por completo a necessidade de manutenção da infraestrutura existente - o que acaba provocando perdas cada vez maiores.

Constituídas, em sua maioria, em meados da década de 1970, as companhias estaduais e municipais de saneamento acompanharam a evolução das políticas públicas para o setor e foram fortemente afetadas pela crise financeira dos Estados e municípios no início da década de 1990. Mesmo tendo praticamente paralisado seus investimentos na primeira metade daquela década, muitas dessas empresas não conseguiram reordenar suas finanças, razão pela qual não puderam se habilitar a obter financiamentos de órgãos federais, o que levou ao sucateamento de boa parte de suas redes e equipamentos.

Mesmo nos momentos de retomada dos investimentos - como os que estão sendo feitos depois da instituição de um novo marco regulatório para o setor, pela Lei do Saneamento Básico de 2007, e sua regulamentação, no ano passado -, a manutenção dos sistemas existentes não mereceu a atenção dos administradores públicos.

A Sabesp, companhia de saneamento básico de São Paulo, é uma exceção. De 2009 para cá, conseguiu reduzir suas perdas de 32% para 26% e tem como meta reduzi-las para 13% até 2019, quando alcançará o padrão internacional. Ela vende para outros Estados sua experiência na tarefa de reduzir perdas no sistema de água.

No plano federal, começam a ser dados os primeiros passos na área de manutenção das redes e de combate às perdas. O governo pretende criar uma linha de crédito para Estados e municípios interessados em reduzir as perdas. "Nossa preocupação não é só com a execução das obras", disse ao Estado o secretário de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. "É preciso pensar na manutenção dos sistemas atuais, no dia a dia, na sustentabilidade."

Os números não deixam dúvida quanto à necessidade de se investir em manutenção.


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