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Casamento sem interrupção
11/3/2009
Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – Uma pesquisa feita na cidade de São Paulo indicou que as mulheres solteiras têm quase dez vezes mais chances de abortar do que as casadas. O estudo mostra que as solteiras, que engravidam em uma escala muito menor, recorrem mais largamente ao aborto provocado (18%). Menos de 2% das gestações das mulheres casadas resultam em aborto provocado.
O estudo, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, foi realizado por Rebeca de Souza e Silva, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Elisabeth Meloni Vieira, professora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP).
Os objetivos, segundo as autoras, foram caracterizar a ocorrência do aborto provocado ao analisar o número de filhos, idade e uso de contraceptivos – comparando casadas e solteiras –, fornecer subsídios para estimar a prevalência do aborto provocado e detectar fatores que mais contribuem para a sua ocorrência.
De acordo com Rebeca, a mortalidade materna no Brasil ainda é elevada, principalmente por conta do aborto provocado. Mas, segundo ela, trata-se de uma “epidemia silenciosa” que ocorre com mais frequência do que se consegue detectar com entrevistas diretas.
“Como se trata de um assunto de foro íntimo e criminalizado, estima-se uma omissão de 80% dos abortos provocados. É como se o problema não existisse”, disse Rebeca à Agência FAPESP.
A amostra reuniu 1.749 entrevistas, sendo 764 com mulheres casadas, 658 com solteiras e 327 de outras categorias maritais, em idade fértil (15 a 49 anos) e concentradas no subdistrito da Vila Madalena, em São Paulo, considerada uma área de classe média alta.
Estudo feito por outro grupo em 1987 já indicava a tendência atualmente consolidada, mas a metodologia incluía apenas as mulheres grávidas. “Naquela época, adolescentes, solteiras, sem filhos, favoráveis à prática do aborto e usuárias de métodos contraceptivos não eficazes, eram as que apresentavam a maior chance de abortar, considerando apenas aquelas com alguma gestação e não o total em idade fértil”, contou.
Em outra pesquisa, feita em 1993 por Rebeca e Elisabeth, como as adolescentes começaram a apresentar elevada fecundidade, “as outras variáveis, além da idade, começaram a imprimir maior chance de aborto provocado”.
A alta prevalência de aborto entre adolescentes chama a atenção, segundo a pesquisadora. De cada 100 casos de gravidez entre mulheres de 15 a 19 anos, 60 terminaram em aborto. “A proporção das que interrompem a gestação é imensa”, destacou.
Segundo a professora da Unifesp, o limite do estudo é territorial, pois o recorte se refere a uma região privilegiada do município de São Paulo. “Não saberia dizer se para o Brasil como um todo essa discrepância é tão acentuada entre solteiras e casadas”, apontou. Mortalidade materna Embora a pesquisa não estabeleça a distinção, a pesquisadora lembra, citando outros estudos, que são as mulheres menos escolarizadas e as mais pobres as que mais frequentemente abortam. Já as mulheres mais favorecidas economicamente, segundo ela, estão recorrendo cada vez menos ao aborto provocado, e só o fazem quando falha o método utilizado – o que ocorre raramente, pois recorrem a alternativas eficazes como pílula, DIU ou mesmo a esterilização.
“Quando recorrem ao aborto provocado, entretanto, o fazem em adequadas condições de higiene, com pessoal médico qualificado e raramente apresentam sequelas físicas – ao contrário das mulheres com menor renda”, compara.
Mas, independentemente da classe social, o que chama a atenção, segundo Rebeca, é a prevalência de mulheres no início da vida sexual com aborto provocado. A mortalidade materna no Brasil causada pelo aborto provocado responde por uma boa parcela dos casos de óbitos no país, de acordo com a pesquisadora.
Segundo Rebeca, os países em desenvolvimento estabeleceram, em acordos internacionais, a meta de reduzir a mortalidade materna em 75% de 2000 a 2015. Mas até o fim de 2006, apesar de ter aumentado o número de exames pré-natal, de parto humanizado e do acesso a contraceptivos, o Brasil havia conseguido uma redução de apenas 6% na mortalidade materna.
“Por quê? Porque o país continua a ignorar a existência do aborto provocado. É impossível cumprir a referida meta sem dar atenção adequada ao assunto”, destacou.
Para ler o artigo Aborto provocado: sua dimensão e características entre mulheres solteiras e casadas da cidade de São Paulo, de Rebeca de Souza e Silva e Elisabeth Meloni Vieira, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
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