Tradicionalmente, no fim de dezembro, a revista Time elege a “pessoa
do ano” e lhe dedica sua capa. Nem sempre se trata de uma figura admirável. O
critério da escolha é a influência, o peso – para o bem ou para o mal. Prova
disso: em 1938, a pessoa do ano foi Adolf Hitler, e Stalin ganhou o título em
1939 por causa dos possíveis efeitos catastróficos do pacto germano-soviético de
não agressão (certamente pouco apreciado pela Time e por seus
leitores). Stalin foi pessoa do ano novamente (desta vez, por razões
lisonjeiras) em 1942, pela vitória de Stalingrado, que mudou o curso da Segunda
Guerra (1939-45).
Como já sabíamos antes que a Time desta semana fosse publicada, a
pessoa do ano de 2011 é The Protester – o protestador, no sentido de
manifestante que contesta e protesta. A Time reconhece que há
diferenças consideráveis entre as três categorias principais de protestadores do
ano, ou seja, entre 1) os insurrectos da Primavera Árabe, que pediram (e muitos
deles ainda pedem) uma mudança de regime; 2) os indignados europeus,
desempregados e/ou ameaçados pela crise de seus Estados assistenciais e 3) os
revoltados norte-americanos do movimento “Ocupe Wall Street”, descontentes com a
desigualdade e com o poder do capital financeiro (um pouco no espírito da
revolta de Seattle em 1999).
Mas a revista julga que os traços comuns a esses grupos são mais importantes
que suas diferenças: nos três casos, a massa dos protestadores é composta de
jovens, instruídos, de classe média, que não se identificam com partidos
políticos oficiais e acreditam “que o sistema político e a economia de seu país
tenham se tornado disfuncionais e corruptos – democracias de fachada,
manipuladas para favorecer ricos e poderosos”.
“O” lutador, um indivíduo anônimo
Há outra diferença aparente entre os grupos: como nota Kurt Andersen: os
manifestantes europeus e de Wall Street se queixam da falta de democracia nos
seus regimes, enquanto muitos combatentes da Primavera Árabe apontariam esses
regimes como modelos desejáveis de funcionamento democrático. Contradição? Nem
tanto. A democracia é um sistema que sobrevive à condição de que nunca paremos
de lutar, ou seja, ela é sempre perfectível e se perde se a consideramos
perfeita e deixamos de lutar por ela – para estabelecê-la (como os árabes) ou
para aprimorá-la (como europeus e americanos), tanto faz.
Além disso, a Time não escolheu um grupo: a pessoa do ano é um
indivíduo, “o” protestador. Algo análogo tinha acontecido em 1956, quando os
tanques da União Soviética esmagaram a resistência popular húngara. A revista
elegera pessoa do ano o Hungarian Freedom Fighter, o lutador húngaro
pela liberdade. Nesse caso também, não fora honrado um grupo, mas “o” lutador,
um indivíduo – anônimo, mas um indivíduo mesmo assim, como o protester
de 2011. Isso não acontece apenas porque “a pessoa do ano” teria que ser
necessariamente singular (uma pessoa, justamente). Há outra razão: a revista
escolheu “o” indivíduo que manifesta porque (como escreveu Rick Stengel na
apresentação), independentemente da razão pela qual ele protesta, pelo simples
fato de protestar essa figura “literalmente encarna a ideia de que a ação
individual pode acarretar mudanças coletivas e colossais”.
Um ano de alegrias, dores e incertezas
Em suma, alguns dirão que a escolha do protestador como pessoa do ano de 2011
não foi certa porque, por exemplo, o foco dos protestos é vago e seus efeitos
futuros ainda incertos – eles perguntarão: “Não será cedo para dizer se esses
protestos transformaram alguma coisa para melhor?” Mas a Time enxergou
outra coisa: a atitude do indivíduo que protesta é a matriz de qualquer
democracia. A coragem do manifestante, mesmo que, às vezes, a gente o julgue
inoportuno, mesmo que discordemos de suas razões, de seus pedidos e dos meios
pelos quais ele se expressa, não deixa de ser a grande garantia da
democracia.
Sempre me esforço para me lembrar disso quando sou aprisionado no meu carro
por uma manifestação que paralisa o trânsito da cidade: o protestador acredita
na possibilidade de seu ato mudar o mundo e é graças a essa fé que a democracia
se afirma e insiste – para todos nós.
Enfim, ao ler as retrospectivas, 2011 parece ter sido um ano de alegrias,
dores e incertezas, um ano intenso. Espero que o próximo seja, para todos nós,
tão interessante quanto este, se não mais.
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