'Invasão' asiática leva Ceará a passar de exportador a importador de têxteis
O Ceará é líder nacional na fabricação de fios, índigos e lingerie, mas está perdendo espaço no mercado externo e interno por causa da concorrência com os asiáticos - e com outros Estados, mais agressivos na guerra fiscal. Enquanto em 2000 o setor têxtil cearense respondia por 30,6% das exportações de produtos industrializados feitas pelo Ceará, hoje caiu para 8,32%.
O ano de 2011 foi considerado perdido para o setor. No primeiro semestre, a balança comercial do setor têxtil cearense registrou o maior déficit da última década: US$ 132,35 milhões. Trocando em miúdos, essa é a diferença entre o que foi exportado (US$ 44,26 milhões) e o que foi importado (US$ 176,6 milhões).
Os tecidos índigos de algodão (jeans) correspondem a mais de 50% da pauta de produtos exportados pelo setor têxtil cearense neste ano de 2011. Os principais países destinos das exportações são a Argentina e a Holanda, com participação de 46,7% e 11,6%, respectivamente.
A cadeia produtiva têxtil cearense gera 70 mil empregos, distribuídos em mais de 2.500 confecções. O setor responde por 16% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial cearense. Entre indústria e comércio de moda, o Ceará tem 1.980 empresas e 5.965 estabelecimentos.
Dificuldades. O industrial Ivan Bezerra Filho, da Têxtil Bezerra de Menezes (TBM), diz que, apesar da indústria cearense ser bastante competitiva, tem grandes dificuldades em relação ao câmbio e aos impostos em cascata praticados no Brasil. "O maior desafio pelo qual passa o setor hoje está relacionado às reformas que o Brasil teima em não fazer", comenta.
A TBM é uma das mais importantes fábricas de fios de algodão e fibras sintéticas do País e deve fechar 2011 com uma queda de 2% a 3% na produção em relação a 2010. "Da porta da fábrica para dentro, o segmento é extremamente competitivo. Agora, quando há impostos em cascata e gastos excessivos do governo, que fazem com que o País não baixe seus juros e o câmbio seja depreciado, fica complicado manter a competitividade lá fora", afirma Ivan Bezerra Filho.
Segundo ele, o problema não é causado pela Ásia, mas pelo próprio governo brasileiro que não faz reformas. "A consequência disso é que o produto asiático entra aqui mais barato, já que a nossa folha de pagamento é a mais pesada do mundo, provocada pelos altos encargos", acrescenta o industrial cearense.
Importações. Para tentar resolver o problema, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou no fim do ano passado que o governo está mudando o regime tributário de importação para produtos têxteis, que era baseado no sistema ad valorem (em porcentual do preço do produto) para o ad rem (tributação tendo como referência o peso da mercadoria). O objetivo seria combater a importação feita de maneira desleal, com preços subfaturados, especialmente dos países asiáticos.
Mantega ressaltou que o governo fará uma petição na Organização Mundial do Comércio (OMC) para que essa proteção se torne uma salvaguarda provisória para o setor têxtil, que eventualmente pode durar 10 anos, como já ocorre com o segmento de brinquedos. "Acredito que em três meses a medida já estará em vigor", comentou.
"O ad rem torna mais difícil a entrada de produto ilegal, porque ele é um valor específico por unidade de mercadoria, de no mínimo um dólar e não um porcentual. Então, acaba com o subfaturamento", explica Bezerra Filho.
Guerra fiscal. Mas outro problema que afeta o setor é a guerra fiscal entre os Estados. Algumas empresas, como Vicunha, Santana Textiles e a própria TBM, já migraram e estão instalando unidades fabris em Mato Grosso, maior produtor e exportador nacional de algodão.
Enquanto as reformas não são feitas, para se manter competitivo, o setor aposta no diferencial da moda cearense. O Ceará carrega influência da cultura portuguesa em seu artesanato rico em rendas e bordados, como o ponto cruz e a renda renascença. Herança que contribui para despertar a vocação cearense do trabalho artesanal que se tornou referência no Brasil e no exterior pela peças decoradas com bilros, filés, labirinto e richelieu - bordado vazado feito à máquina no linho branco.
Projeto de desenvolvimento. O Brasil fechou o ano com um déficit comercial de US$ 5 bilhões no setor têxtil. Isso por causa do impacto nas empresas do chamado "risco Brasil", como a pesada carga tributária, os juros altos e os elevados encargos trabalhistas, além da desvalorização do câmbio.
Falta ao Brasil um projeto de desenvolvimento que indique até onde o País planeja chegar, segundo o economista Pedro Jorge Ramos Vianna, gerente da Unidade de Economia e Estatística do Instituto de Desenvolvimento. Industrial (Indi), ligado à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). "Planos pontuais e isolados não levarão ao crescimento sustentável."
Dumping social. Na opinião do superintendente do CIN-CE, Eduardo de Castro Bezerra Neto, não há como o setor têxtil cearense ser competitivo no mercado internacional enquanto houver o "dumping social da Ásia". Isso porque, diz Bezerra Neto, enquanto o trabalhador brasileiro tem horário predeterminado pela legislação, remuneração negociada anualmente com o sindicato e a empresa paga tributo determinado pelo governo, no sistema asiático o operário trabalha em torno de dez horas por dia, não existem encargos, a tributação é mínima e as necessidades dos trabalhadores não são atendidas na proporção devida.
Para a diretora de Assuntos Internacionais da Fiec, Verônica Perdigão, a crise no segmento é um fenômeno nacional que se reflete no Ceará. Ela informa que houve uma queda de 16% na produtividade do terceiro trimestre de 2011 em relação a igual período de 2010.
Fonte: O Estado de São Paulo
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