quarta-feira, 12 de maio de 2010

O oxigênio que faltava

PLANO NACIONAL DE BANDA LARGA
O oxigênio que faltava

Por Flavia Lefèvre em 11/5/2010

Não há surpresa alguma quanto às reações após o anúncio do Plano Nacional de Banda Larga pelo governo federal.

Pelo lado dos consumidores, é animadora a perspectiva concreta de redução de preços e crescimento da penetração dos serviços de telecomunicações, como consequência do estímulo à competição que a atuação da Telebrás como fornecedora de infraestrutura em condições isonômicas a todos os possíveis competidores certamente trará.

Pelo lado das empresas competidoras, já temos manifestações sobre a satisfação com relação à perspectiva de atuação da Telebrás como gestora da infraestrutura de acesso ao serviço de comunicação de dados, de modo que se pode esperar o fim do efeito perverso do domínio que os grupos econômicos que hoje controlam as teles – Telefonica, Telmex e Oi – promovem há mais de dez anos nos mercados de telefonia fixa, móvel e comunicação de dados.

E, especialmente, o PNBL para as pequenas e médias empresas poderá significar fôlego financeiro, pois, levando em conta que irão atuar como agentes econômicos para se atingir a inclusão digital, como foi anunciado pelo governo federal, poderão pretender dividir com as teles os recursos públicos provenientes do BNDES, que até hoje têm sido revertidos em borbotões de bilhões de reais e em condições questionáveis para as concessionárias, que não investem como deveriam no setor, deixando os bens públicos em condição de sucateamento. O mesmo se diga quanto à possibilidade de receberem recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que, antes do PNBL, só poderiam ser revertidos para as teles.

Sem respostas

Pelo lado dos poderes públicos, as notícias sobre o PNBL geram alívio, uma vez que, se tudo der certo, poderão ver-se livres da posição de reféns das teles, que cobram o que querem pelo fornecimento de acesso à rede de comunicação de dados, uma vez que, de acordo com o Fato Relevante enviado pela Telebrás à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o provimento deste serviço a órgãos públicos caberá também a Telebrás, que poderá contratar diversas empresas para cumprir essa finalidade. Isso sem falar nas incertas continuidade e qualidade dos serviços, como vem ocorrendo com a Telefonica em São Paulo e em toda a região de concessão da Oi, que têm causado enormes prejuízos com a interrupção da comunicação com bombeiros, polícia, INSS etc.

Porém, pelo lado das teles, o anúncio da nova política pública causa desespero justificado; não é fácil largar o osso! De que osso estamos falando? Do enorme privilégio de operarem em caráter exclusivo a rede de comunicação de dados há mais de dez anos, sem absolutamente nenhum controle por parte da Anatel e sem nenhuma contrapartida, com o direcionamento de suas atividades privilegiando as localidades onde há consumidores com os bolsos cheios. E, mais, tendo pagado apenas R$ 9 mil pelas autorizações outorgadas para a exploração dos serviços de comunicação de dados, em condições cuja legalidade tem sido questionada nos tribunais do país.

As teles já começaram a mobilizar seus arsenais judiciais, cujos custos estão embutidos na tarifa que pagamos pela telefonia fixa, assim como o custo do marketing e outras estripulias que é melhor deixarmos de lado. Já falam em questionar judicialmente o PNBL. Os lobistas não param de se manifestar nas emissoras de rádio e nos jornais, na tentativa vã de convencerem a sociedade de que a quebra de seus monopólios não atende aos anseios e interesses públicos.

Porém, os ouvintes dos discursos das teles devem considerar que o papel de definidor de planos nacionais para o desenvolvimento social e econômico do Poder Executivo está expresso na Constituição Federal – art. 21, inciso IX, assim como a titularidade da União para explorar diretamente ou por concessão os serviços de telecomunicações – art. 21, inciso XI.

Ou seja, é inegável que temos muito a comemorar, torcer e contribuir para que o PNBL possa de fato significar oxigênio no setor de telecomunicações, que deixou de apresentar respostas às reais demandas do país, desde 2003, quando as metas de universalização do serviço de telefonia fixa foram cumpridas (diz a Anatel que foram cumpridas; há controvérsias, inclusive no Tribunal de Contas da União).

Novas orientações

A partir de 2003, o esforço da sociedade – que há anos paga uma assinatura básica abusiva – para a implantação da infraestrutura não resultou em democratização na utilização dos serviços e em ganhos sociais. Ao contrário, a utilização de todos os serviços, inclusive da telefonia fixa, está concentrada nas classes mais abastadas, que podem pagar pelas tarifas e preços abusivos praticados hoje no mercado brasileiro. Prova disso é a penetração vergonhosa da telefonia fixa no país – 20 acessos em serviço por 100 habitantes e a redução progressiva até dos orelhões – de 7,5 por mil habitantes em 2003, para 6∕1000 em 2008 e, se a Anatel implantar o que já anunciou, 4,5∕1000, a partir de janeiro de 2011.

Não podemos nos dar por satisfeitos com o fato de que o número de linhas móveis habilitadas bate recordes sucessivos. Este fato isolado não representa um ganho significativo para a sociedade. Só poderíamos concluir assim caso o tráfego de voz nas redes das empresas móveis fosse volumoso, e que essas linhas pudessem propiciar o acesso ao serviço de comunicação de dados. Mas não podem, pois 85% delas operam no sistema pré-pago e têm como suporte aparelhos simples. No entanto, é fato reconhecido pelo próprio Ministério das Comunicações que o Brasil ocupa o lamentável penúltimo lugar do ranking das pesquisas neste quesito. E, mais sério, caso as mais de 170 milhões de linhas móveis estivessem em condições de utilizar plenamente o serviço de dados, nossa atual infraestrutura de redes não suportaria.

Outra importante consequência decorrente do PNBL será a redução significativa das tarifas e preços não só do serviço de comunicação de dados, mas também da telefonia fixa, móvel e da televisão por assinatura. Isto porque, levando-se em conta a tendência de os consumidores contratarem de um único fornecedor um pacote com todos os serviços, havendo mais competidores a disputa entre eles por fatias de mercado implicará o barateamento da oferta no varejo.

Fundamental: não podemos nos esquecer do que significa o PNBL para a Anatel. A princípio, muito trabalho para atender ao interesse público. Nossos reguladores terão de pôr em dia as tarefas que estão atrasadas há mais de sete anos – desde a edição do decreto 4.733∕2003, que estabeleceu novas orientações para a política de telecomunicações: definição e implantação do modelo de custos, a fim de que as tarifas reflitam equilíbrio para operadores e consumidores; regras de desagregação e compartilhamento de redes; licitação para distribuição de freqüências, viabilizando o ingresso de novos agentes no mercado, entre outras.

Realismo e maturidade

A reativação da Telebrás trará, ainda, um efeito muito positivo para o setor e que merece ser muito comemorado: o peso regulatório da atuação da nefasta e obscura Anatel – ou melhor, da inação da agência – passa a ficar menos determinante para o mercado.

E quanto às críticas? Vamos aguardar a edição do decreto presidencial. De qualquer forma, minha primeira crítica ao governo federal fica no campo do senso de oportunidade. Por que demoraram tanto para apresentar um plano nacional de banda larga? Por que os agentes comprometidos e que deram o sangue para conseguir emplacar o PNBL junto à Presidência da República arriscaram tanto, deixando para os últimos minutos do governo Lula a sua apresentação? Dependendo dos resultados das eleições, esses esforços poderão ter sido vãos e significar uma frustração enorme para a sociedade, caso o PNBL não venha a ser posto em prática.

Mas, voltando para o campo do realismo, maturidade e otimismo: vivas ao Plano Nacional de Banda Larga!
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