terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Circo da Notícia

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Terça-feira, 29 de dezembro de 2009

ISSN 1519-7670 - Ano 14 - nº 569 - 29/12/2009





CONTRA A FOLHA
O inimigo da hora

Por Carlos Brickmann em 22/12/2009


Blogs, blogueiros, ativistas da internet estão mobilizados: o alvo é a Folha de S.Paulo, acusada de ter colaborado com a repressão nos tempos da ditadura militar. Há ataques pessoais ao diretor de Redação (que, na época, tinha seus dez anos de idade) e a jornalistas que lá trabalham hoje, como se fossem responsáveis por fatos ocorridos quando lá não estavam – e nem idade para isso tinham.

É um fenômeno curioso: os fatos de que o jornal é acusado são conhecidos há muito tempo, e isso não impediu boa parte dos blogueiros e ativistas anti-Folha da internet de trabalhar lá, até mesmo de ocupar altos cargos na empresa, em funções de direção. Parece que, depois que estes importantes funcionários deixaram o jornal, o passado da empresa piorou muito. Aqueles fatos que eram conhecidos mas esquecidos enquanto trabalhavam lá, de repente se tornaram intoleráveis.

Gostar da Folha ou não, gostar de seus concorrentes ou não, isso faz parte do jogo: é uma decisão tomada pelos consumidores de informação. Mas uma campanha sistemática como a que está sendo movida neste momento deve ser vista com reservas: que é que está por trás dela? A quem interessa tentar desmoralizar um jornal que, entre suas iniciativas políticas, deu firme apoio à campanha das Diretas-Já, apontou fraudes como a da licitação da Ferrovia Norte-Sul, no governo Sarney, abriu suas portas a pessoas malvistas pelo regime militar, como Oswaldo Peralva, Tarso de Castro, Samuel Wainer, Janio de Freitas?

Papel, internet, rádio, TV, twitter, há espaço para todos. Como dizia um antigo anúncio do candidato Eduardo Suplicy, acenda sua estrela, em vez de tentar apagar a dele. Que o consumidor de informação escolha o que for melhor para si.



Bola nossa

Conta-se que em Minas, há muitos anos, existia um juiz de futebol que era atleticano fanático. Fingia-se imparcial, claro. Mas um dia não aguentou. Quando a bola saiu pela lateral, logo gritou: "Bola nossa!" Ficou conhecido como "Cidinho Bola Nossa". A desistência de Aécio Neves gerou fenômeno semelhante: conforme a preferência político-partidária do analista, foi uma manobra anti-Serra, foi uma manobra pró-Serra, foi uma jogada brilhante que o deixou numa posição privilegiada, prontinho para ser convocado a ganhar as eleições.

Mas a melhor dos últimos dias foi a saída de Almir Gabriel, tucano histórico, ex-governador do Pará, do PSDB. Conforme a preferência político-partidária, lembraram ou não que foi durante seu governo que houve o massacre de Eldorado dos Carajás.



Largou o osso

Depois de sucessivas vitórias na Justiça (que, para este colunista, que de Direito só sabe que Pontes de Miranda escrevia em alemão, foram inexplicáveis, já que a Constituição veda a censura prévia), o empresário Fernando Sarney, que administra os bens de propriedade da família, desistiu de sua ação contra O Estado de S.Paulo. Fernando Sarney manteve o Estadão sob censura, impedido de divulgar as informações de que dispunha sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, há mais de cem dias. É possível que os advogados da família Sarney tenham concluído que seu ciclo de vitórias já estava encerrado; assim, ao retirar o processo, Fernando Sarney saiu de cena sem perder sequer uma batalha, exceto a da opinião pública.

Veremos agora quais informações eram tão nocivas á família Sarney que justificaram a luta de tanto tempo para mantê-las ocultas. Alô, Estadão! Está na hora de bater o pênalti!



A pauta, cadê a pauta?

Há 70 anos, em 7 de dezembro de 1939, o navio alemão Windhuk, que fazia transporte de carga e passageiros entre Europa e África, foi localizado pela Marinha britânica. Seguiu em direção ao Rio da Prata, buscando portos neutros, como os de Montevidéu ou Buenos Aires. Inútil: três cruzadores ingleses cortaram seu caminho. O encouraçado Graf Spee, orgulho da Marinha alemã, cercado pela esquadra britânica, acabara de ser afundado pelos próprios tripulantes, para não ser apresado, ao largo do porto de Montevidéu. O Windhuk atracou então em Santos, onde seus 240 tripulantes foram internados (e alguns encaminhados a campos de concentração, que poucos sabem que existiram – houve excelente reportagem de Luiz Salgado Ribeiro, há alguns anos, sobre este tema). O navio foi apreendido e, mais tarde, vendido aos Estados Unidos, onde recebeu o nome de Lejeune. Alguns tripulantes se mudaram para São Paulo e abriram um excelente restaurante alemão, até hoje um dos melhores da cidade na sua especialidade.

Pois bem: na segunda-feira (7/12), os quatro tripulantes sobreviventes do Windhuk se reuniram no restaurante, para comemorar os 70 anos da chegada ao Brasil. A história é ótima: um restaurante tradicional, velhinhos que a Marinha inglesa obrigou a ficar no Brasil, uma batalha naval, uma data redonda, um encouraçado afundado por perto. Quem cobriu a cerimônia? O portal PortoGente. Jornais locais, nem pensar. TV? Rádio? Nada. Pelo jeito, a queda de circulação dos jornais não se relaciona apenas com o preço nem com a concorrência da internet. Que tal pensar no leitor? Que é que um repórter como Ricardo Kotscho faria numa comemoração como essa?



Nem pauta, nem agenda

Na sexta-feira (18/12), o primeiro hotel cinco-estrelas de São Paulo fechou as portas: o lendário Ca´d´Oro, da família Guzzoni, especializada em hospitalidade desde que seus patriarcas viviam em Bergamo, na Itália. O Ca´d´Oro foi o primeiro hotel do país a se notabilizar também como restaurante. Era no Ca´d´Oro que o presidente Figueiredo se hospedava em suas visitas a São Paulo. O Ca´d´Oro sempre foi o ponto de encontro de grandes advogados, e ali se traçaram os rumos a seguir em inúmeras questões. Foi lá, por exemplo, que juristas uruguaios e brasileiros discutiram modificações legais, no Uruguai, que permitissem a saída de estrangeiros lá condenados e presos pela ditadura (o objetivo real era tirar das prisões uruguaias dois brasileiros: Flávia Schilling e Flávio Tavares). Foi lá que o prefeito eleito de São Paulo, Gilberto Kassab, deu sua primeira entrevista coletiva. Lá se organizaram inúmeras chapas para a disputa da presidência da Ordem dos Advogados.

Reportagens? Imagine! Ninguém estava lá para ouvir os juristas, publicitários, empresários que se despediam do famoso cozido do hotel (o tradicional bollito misto), nem para conversar com os Guzzoni sobre o futuro profissional de uma família que, só em São Paulo, tem 56 anos de hotelaria.

Nem os jornais especializados em cidade se deram conta de que, numa região central de sua terra, um grande hotel estava deixando de existir. E essa mudança trará modificações no uso da área: onde era o hotel, surgirá um amplo complexo residencial e comercial. Que tipo de efeito isso terá para a revitalização do centro paulistano?

Pois é: quando nenhuma autoridade manda a matéria semipronta, como elaborá-la?



Não sai lá, sai cá

A Constituição proíbe a censura prévia, mas sabemos que a censura existe. Que fazer? Alguns blogs, mais preocupados em informar a população do que em guardar suas matérias até que seja possível publicá-las, fizeram uma permuta das mais elogiáveis: o que não pode sair em um é encaminhado para outro. Se o outro for também proibido, um terceiro recebe a matéria. Já que o jogo é de caça, os caçados também têm o direito de se organizar, a bem do interesse público.

Os primeiros a entrar na permuta foram o Prosa e Poesia, de Adriana Vandoni, e o Blog do Pannunzio. O Blog do Pannunzio está proibido de noticiar as atividades de uma senhora junto a uma quadrilha de traficantes de trabalhadores (quem divulga, portanto, é o Prosa e Poesia). O Prosa e Poesia está sendo censurado pelo presidente da Assembléia Legislativa de Mato Grosso, que enfrenta mais de cem ações de improbidade - logo, as notícias vão para o Blog do Pannunzio.

Questão de criatividade. Nos Estados Unidos, o mesmo aconteceu com os "Papéis do Pentágono". À medida que um jornal era proibido de publicá-los, o material ia para outros. E tudo acabou saindo, para desmoralização da censura.



A cachaça é nossa

Lembra da nota sobre a cachaça "A Corinthiana", publicada na semana passada? A pinga é fabricada pelo alambique do publicitário e jornalista Chico Santa Rita, dono da marca "Dona Carolina", mas quem distribui parte da produção, com a marca "A Corinthiana", são os empresários Renato Serrano e Caximbo Curioletti, da Case Sports. Inteligentes: uma boa cachaça, como a "Dona Carolina", com uma marca que atrai a maior parte do público, como "A Corinthiana", tem que dar certo.



Livro de graça (e é bom)

O excelente repórter Cláudio Tognolli (que também é roqueiro – ou o roqueiro Cláudio Tognolli, que também é um excelente repórter) está lançando seu sexto livro: Balenciaga Torres e os Corações Pelludos. Há o livro, com suas 500 páginas, algo como 52 fotos, e 25 músicas especialmente compostas para ele, por autores como Lobão, Paulo Ricardo, o próprio Tognolli. E é tudo de graça: é só baixar o livro aqui. A Editora do Bispo é aquela de Pinky Wainer.



Como...

Saiu num jornal grande, de circulação nacional:

** "Procurada, a Air France não foi encontrada para se manifestar sobre a decisão."

Onde será que a Air France andava se escondendo?



...é...

De uma prestigiada coluna esportiva da internet:

** "Grêmio e Palmeiras podem fazer troca-troca de zagueiros!!!"

De outra coluna esportiva, discutindo o mesmo tema:

** "Troca-troca entre Verdão e Grêmio está perto de sair"

Espera-se, no mínimo, que seja algo discreto. O público não aceitaria.



...mesmo?

É pendular: ora o bêbado da esquina suspeita de alguém e os jornais já passam a chamar o coitado de ladrão, mesmo que ele não tenha tentado roubar nada, ora o cavalheiro está sujeito a todas as ressalvas. Da internet:

** "SP: suposto ladrão é encontrado pendurado em grade de casa"

O "suposto assaltante" foi preso quando tentava pular o portão de uma casa que não era a dele, em Salto, SP, e ficou pendurado na grade. Que mais poderia o suposto suposto estar fazendo no suposto lugar?



E eu com isso?

Frufru é cultura. Este caso narrado abaixo, por exemplo, trata de uma questão da qual este colunista jamais ouvira falar. Tudo bem, sempre houve comentários sobre ninfomaníacas, tarados, taradas, o pessoal do cinto frouxo. Mas a Síndrome de Excitação Sexual Persistente faz com que a moça atingida não possa sentar-se no ônibus, nem curvar-se, nem andar em paz. E o pior é que não aguentar esperar muito.

** "Americana sofre acidente e fica com desejo sexual `incontrolável´"

Veja como os costumes são diferentes de um país para outro:

** "Família americana adota `bambi´ como animal de estimação"

Todo mundo acha notável, por lá, que o veado saiba subir escadas, durma com o casal, coma espaguete e tome sorvete. Mas deve causar algum problema com as fronhas.

** "Ana Maria Braga e Marcelo Frisoni são clicados juntos"

Para isso, precisaram separar-se! E continuam separados: como salienta a reportagem, cada um foi embora em seu próprio carro.

E temos o frufru propriamente dito, para turbinar a conversa no intervalo das novelas:

** "Lady Gaga se abaixa, mostra o bumbum e um furo na meia-calça"

** "Dado Dolabella comemora nascimento do filho fumando charuto"

** "Luana Piovani circula de cabelo molhado em aeroporto no Rio"

** "Solange Frazão ensina série para ficar com a barriga chapada"

** "Bêbada mostra os seios para carros e é atropelada"

** "Susana Vieira deixa seio à mostra em festa paulistana"

** "`Estou morando dentro do avião´, diz Jesus Luz em festa"

** "Homem chega em casa e encontra invasor dormindo só de cueca"

O invasor fugiu mas foi preso. A notícia não esclarece dois itens importantes: primeiro, se o dono da casa era ou não casado. Segundo, se o invasor, por acaso, não teria o nome de "Ricardão".



O grande título

Esta é uma semana muito rica em bons títulos, apesar da pobreza do noticiário. Comecemos com a área política: o governador mineiro Aécio Neves desistiu de se candidatar à presidência da República pelo PSDB, deixando como único pretendente o governador paulista José Serra, que resiste a apresentar-se como candidato.

Título drummondiano e impecável do Estado de Minas:

** "E agora, José?"

Temos um daqueles títulos que permitem todo tipo de duplo sentido:

** "Pai mostra `Pequeno Hulk´ em shopping"

E um daqueles que nascem aleatoriamente, de um erro, e acabam ficando engraçados:

** "Dilma erra e afirma que meio ambiente é ameaça ao desenvolvimento sustentável"

Imagine, Dilma erra! Basta olhar para ela: está convencida de que nunca errou.



DDP

Dias e dias parado. Esta coluna é a última do ano. Voltamos em 12 de janeiro. Boas Festas!

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