Um mundo em desequilíbrio
As viagens internacionais de líderes buscam gestos simbólicos. Ninguém espera que o presidente Barack Obama retorne da China com acordos novos e importantes.
Mas devemos esperar que, longe das câmeras, Obama e seus anfitriões se envolvam em um diálogo franco sobre as políticas em vigor. Porque o problema do desequilíbrio no comércio internacional está a caminho de se agravar. E há um confronto potencialmente destrutivo pronto a explodir, a não ser que a China se corrija.
Consideremos o retrospecto. A maior parte das grandes moedas mundiais "flutuam" diante das demais. Ou seja, seus valores relativos se movem para cima ou para baixo a depender das forças de mercado. Isso não significa necessariamente que os governos mantenham políticas cambiais de pura abstenção: os países ocasionalmente limitam fluxos de capital, quando há uma corrida à sua moeda (como a Islândia em 2008) ou tomam medidas que desencorajem influxos de "hot money" quando temem que os especuladores estejam entusiasmados demais com as suas economias (exatamente o que o Brasil vem fazendo). Mas hoje a maioria dos países tenta fazer com que o valor da moeda, no longo prazo, acompanhe os fundamentos econômicos.
A China é a grande exceção. A despeito de imensos superávits comerciais e do desejo de muitos investidores de participar do seu rápido desenvolvimento -forças que deveriam ter impulsionado o yuan-, Pequim optou por manter sua moeda fraca. E o fez em larga medida trocando yuans por dólares.
Nos últimos meses, a China executou uma política que, na prática, implica em desvalorizar sua moeda à custa de seus parceiros comerciais, ao manter a taxa de câmbio entre o yuan e o dólar fixa ainda, que o dólar tenha caído acentuadamente diante das demais grandes moedas. Isso deu aos exportadores chineses crescente vantagem competitiva diante de seus rivais, especialmente os produtores em outros países em desenvolvimento.
O que torna a ação chinesa especialmente problemática é o estado deprimido da economia mundial. O dinheiro barato e o estímulo fiscal parecem ter evitado uma grande depressão. Mas as autoridades econômicas não foram capazes de gerar gastos suficientes, públicos ou privados, para atenuar o desemprego em massa. E a política de câmbio fraco da China exacerba o problema, porque remove demanda do resto do mundo e a encaminha aos exportadores chineses, mais competitivos artificialmente.
E por que esse problema deve se agravar? Porque, ao longo dos 12 últimos meses, a verdadeira escala do problema chinês vinha sendo mascarada por fatores temporários. No futuro, devemos ver tanto o superavit comercial chinês quanto o deficit dos EUA dispararem.
É esse, ao menos, o argumento de estudo do Graduate Institute, em Genebra. Ele aponta que, nos últimos meses, os desequilíbrios comerciais -tanto o superavit chinês quanto o deficit dos EUA- foram muito mais baixos do que alguns anos atrás. Mas, argumentam, "essa melhora em termos de desequilíbrio mundial é ilusória -um efeito colateral transitório do maior colapso do comércio internacional".
De fato, a queda do comércio mundial em 2008/9 terá lugar nos livros de recordes. O que ela refletiu, principalmente, foi o fato de que o comércio internacional é dominado por bens industrializados -e diante da severa crise, consumidores e empresas adiaram as compras de tudo que não precisassem já.
Como isso reduziu o deficit comercial dos EUA? As importações de bens como automóveis despencaram; e o mesmo se aplica a algumas exportações americanas; mas como entramos na crise importando muito mais do que exportávamos, o resultado líquido foi uma menor disparidade comercial.
Agora, com a crise se atenuando, o processo está se revertendo. Por isso, imagine o quadro: mês após mês de manchetes que justaporão a disparada no deficit comercial americano e superavit chinês aos problemas dos desempregados nos EUA. Se eu fosse Pequim, estaria muito preocupado.
Infelizmente, os chineses não parecem compreender: em lugar de encarar a necessidade de alterar sua política cambial, decidiram admoestar os EUA, aconselhando-nos a elevar taxas de juros e conter déficits fiscais -ou seja, a tornar ainda mais graves os nossos problemas com o desemprego.
Tampouco estou certo de que o governo Obama compreenda. Suas declarações sobre a política cambial chinesa parecem pró-forma, e lhes falta qualquer senso de urgência.
Isso precisa mudar. Não me incomoda que Obama participe de banquetes e pose para fotos; é seu trabalho. Mas, nos bastidores, precisa avisar aos chineses que seu jogo é perigoso.
Fonte: Folha de S. Paulo - 17/11/09
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