quinta-feira, 7 de junho de 2012

COMO COBRIR “Universo Rio+20”


Alguns de nós, jornalistas, passaremos boa parte do mês de junho no Rio de Janeiro para cobrir o “Universo Rio+20”. Quem já está trabalhando o tema nesse período que antecede a Conferência da ONU sobre sustentabilidade tem uma boa noção de como nada lá será simples.
Para começar, há o número insano de eventos setoriais, paralelos, semioficiais, extraoficiais e adjacentes que disputarão nossa agenda. Acontecerão mais de 80 eventos/atividades, da Assembleia Sindical Internacional sobre Trabalho e Meio Ambiente ao Fórum sobre Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável; do Rio+20 Corporate Sustainability Fórum ao Seminário sobre Comunidades Sustentáveis, da Unesco; do Dialogo Mundial da Associação Cristã de Moços (YMCA) sobre Desenvolvimento Sustentável ao Congresso Mundial sobre Justiça, Governança e Direito para a Sustentabilidade Ambiental; e por aí vai. Haverá os diálogos do governo brasileiro com interlocutores não governamentais, e há o grande encontro paralelo à conferência da ONU, a Cúpula dos Povos, promovido pelos movimentos e organizações sociais, com cerca de800 atividades. E por fim, claro, há a Rio + 20 em si, protagonizada pelas delegações dos Estados-membros da ONU.
Além dos eventos, marchas, debates, atos culturais e outros, nos depararemos também com o fator “personalidades”. Serão centenas de articuladores, cientistas, especialistas, dirigentes de ONGs, dirigentes empresariais, celebridades, artistas, parlamentares, autoridades locais, estaduais e federais, ministros, lideranças sociais, indígenas, impactados por fatores climáticos e por projetos humanos mesmo, e por aí vamos. Detectar, encontrar e entrevistar será desafiador.
Por fim, teremos que lidar com algo extremamente complexo: a enorme variação de leituras, posicionamentos e interesses relacionados ao conceito de sustentabilidade, seus fundamentos, seus mecanismos e sua aplicação.
Campeões do desmatamento
Nesses tempos de pré-Rio+20, o que não têm faltado são polêmicas, como temos relatado diariamente nos nossos veículos. São especialistas profetizando o fracasso da Conferência, são delegações internacionais que avisam que não vêm, há as discordâncias sobre o teor do documento-base (Draft Zero) que guiará as negociações de alto nível, há declarações de cientistas negacionistas que consideram esdrúxula a ideia de aquecimento global, e principalmente há as mais variadas interpretações sobre o que é Economia Verde, pra que servirá e como será implementada.
Nesse sentido, aqueles que têm acompanhado ha mais tempo as negociações multilaterais e nacionais sobre clima, biodiversidade, justiça ambiental e social e temas correlatos, sabem que estão longe de objetivar abnegadamente o bem maior do Planeta. Para ilustrar, podemos traçar um paralelo entre estes processos e a briga de foice em torno do Código Florestal brasileiro, e teremos uma boa ideia das disputas de interesses que estão em campo – amplificando-se o tabuleiro a proporções mundiais.
Mas como distinguir o que é greenwashing do que pode ter um real efeito positivo para o meio ambiente? Como detectar o que visa mais a sustentabilidade de contas bancárias de alguns setores do que a proteção da natureza? Como avaliar a efetividade de mecanismos como o Mercado de Carbono, com suas políticas de compensação que, ao final, buscam terceirizar a faxina atmosférica? O que está em jogo quando se propõem instrumentos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)?
Será que grandes hidrelétricas, como Jirau e Santo Antonio, no Rio Madeira, devem ganhar dinheiro (como estão pleiteando) via MDL por “emissões de poluentes evitadas”? Se foram apontadas como pivôs de um dos maiores índices de desmatamento de Porto Velho (RO) nos últimos anos? Se têm causado sérios impactos sobre ribeirinhos e indígenas? Se, de acordo com o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Philip Fearnside, produzirão, com o simples funcionamento das turbinas, uma enorme quantidade de gases de efeito estufa?
Babel conceitual
Como ficam os indígenas que acabam cedendo a grandes multinacionais os direitos sobre seus territórios, em troca de dinheiro de projetos de REDD? E o que significa colocar preço no trabalho de uma abelha que poliniza um pé de laranja? O que significa colocar preço no “serviço” que uma vereda presta a uma fonte que protege? O que significa colocar preço no bem estar produzido por uma bela paisagem? Será que o PSA poderá privatizar o que a natureza nos garante como direito, de usufruto livre e gratuito?
Questionamentos desta ordem permearão boa parte das análises e dos projetos a serem debatidos na Rio+20 e suas atividades correlatas. É neste contexto que a ONG Repórter Brasil e a Fundação Heinrich Boell elaboraram a cartilha “O lado B da Economia Verde – Roteiro para uma cobertura jornalística crítica da Rio + 20”. O material está disponível aqui. Pode ajudar no entendimento da Babel conceitual e ideológica que enfrentaremos no Rio de Janeiro no mês de junho.
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[Verena Glass é jornalista e pesquisadora do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil]

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