Anne Warth e Francisco Carlos de Assis, da Agência Estado
SÃO PAULO - Mesmo com três políticas industriais já anunciadas desde que o Brasil se redemocratizou, a indústria de transformação ainda depende de medidas pontuais vindas do governo para tentar ter igualdade de condições na competição com seus concorrentes estrangeiros. Entre os protagonistas das políticas industriais, isso gera grande dose de insatisfação, pois, apesar dos esforços, a indústria brasileira passa por um inequívoco processo de desindustrialização.
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Tanto é que agora, pela primeira vez desde o primeiro mandato de Lula, governo e empresários estão do mesmo lado e concordam que o País está perdendo sua força industrial. A questão ficou mais proeminente com os recentes dados do IBGE sobre produção industrial. No ano passado, a indústria avançou meros 0,3% sobre 2010. No primeiro mês de 2012, houve recuo de 2,1% sobre dezembro. De que têm servido então as políticas industriais, todas anunciadas com grande pompa pelos respectivos governos?
Brasília deve anunciar na próxima terça-feira, dia 3, o que provavelmente será mais um pacote de desoneração tributária ao setor. Uma das mais aguardadas é a desoneração da folha de pagamento, já incluída para alguns setores no Plano Brasil Maior, a terceira política industrial lançada desde o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De 2003 até agora, foram lançadas três políticas industriais. Uma sob o comando do então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Luís Fernando Furlan; outra encabeçada por seu sucessor, Miguel Jorge, ambos do governo Lula; e o Plano Brasil Maior, já no governo Dilma, esta última voltada para setores intensivos de mão de obra, como software, confecção, calçados e móveis.
Frustração com as políticas industriais
Furlan e Jorge admitem uma certa frustração, porque as políticas industriais - na verdade políticas de Estado elaboradas para alçar o Brasil à condição efetiva de exportador de produtos de maior conteúdo tecnológico e reverter pesados déficits comerciais em áreas estratégicas, como semicondutores, farmacêuticos, comunicações entre outros - jamais atingiram resultados esperados.
Já para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, se o pacote da próxima semana não romper a prática do "mais do mesmo", a política industrial de Dilma, o Plano Brasil Maior, corre o risco de naufragar mais uma vez. O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Julio Gomes de Almeida, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) é ainda mais pessimista. Para ele, as medidas servirão apenas para dar sobrevida à indústria e não para reverter o cenário atual de perda participação no PIB.
Atual membro do Conselho da BRF Brasil Foods, o ex-ministro Furlan avalia que o processo de desindustrialização é concreto e que, em alguns setores, a dificuldade da produção nacional de competir é tamanha que já não há como se recuperar. "Há setores no Brasil que têm competitividade, mas sofrem com a questão tributária, custos financeiros, deficiências da burocracia e de logística", afirma. "Não há falta de diagnósticos no Brasil. O que temos é falta de 'fazimento', de entregar as coisas completas".
Agenda política X agenda econômica
De acordo com Furlan, políticas industriais no Brasil não dão certo porque as medidas nunca são permanentes e porque a agenda estratégica de governo acaba sempre sendo superada pelo urgente. "Também porque no setor público a agenda política é mais importante do que a agenda econômica, de produção e de investimentos", critica o ex-ministro. "Ministros ou pessoas do alto escalão muitas vezes tem um projeto próprio nem sempre convergente com o conjunto ou com o ideário do chefe geral ou do presidente", afirma Furlan.
Também ex-titular do MDIC, Miguel Jorge revela frustração com os resultados do plano industrial lançado durante sua atuação na pasta, em 2008. "Fiquei frustrado, pois várias das ações planejadas não foram executadas. Foi um ano de trabalho para desenvolver o esqueleto do plano e acabou só 50% sendo implantado", afirma. "A devolução dos créditos tributários aos exportadores, por exemplo, foi lançada em maio de 2008 e até hoje não foi implementada, ainda que tenha sido decidida pelo presidente Lula."
Jorge afirma que a experiência no governo mostrou que a falta de coordenação entre os ministérios e de entendimento sobre a importância de uma política industrial é uma das principais causas do fracasso dessas ações. "A área da Fazenda, principalmente a Receita, é a quem tem mais resistência a desonerações. Não se faz política industrial apenas com ideias", diz. "Falta coragem para tomar decisões que afetam muitos interesses, inclusive os da burocracia. Temos de nos modernizar em termos de Estado, e acho que a presidente Dilma tem todas as condições de começar um processo muito forte nesse sentido."
Desindustrialização em curso
O presidente da Fiesp discorda com o formato das políticas industriais, que elegem setores a serem beneficiados e defende que elas teriam que abranger linearmente todos os setores da indústria da transformação. Para ele, há um processo de desindustrialização em curso. "Os dados comprovam isso", diz Skaf. Em 1985, a indústria da transformação representava 27% do PIB. Hoje, é 14,6%. No ano passado, a indústria como um todo cresceu 1,6%, enquanto a indústria de transformação registrou expansão de apenas 0,1%.
O ex-secretário Júlio Gomes de Almeida destaca que, diferentemente das versões anteriores, o Plano Brasil Maior, de Dilma, mostra que o governo agora tem uma preocupação em articular a política industrial com a política macroeconômica. "Antes, vimos muitas vezes a política macroeconômica ir para um lado e a política industrial para outro, tentando amenizar o problema dos juros altos e do câmbio valorizado. Era um convite ao fracasso", afirma. "Já o Brasil Maior vem em um contexto em que o governo procura baixar os juros e tem a orientação de fazer intervenções no câmbio quando a cotação alcança certo nível. Isso dá mais sustentação ao plano."
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