DIREITOS HUMANOS
O crime choca; a falta de ética, muito mais
Por Rodrigo Gomes da Paixão em 21/9/2010
Na quarta-feira, 15 de setembro, uma catadora de papel foi internada no Hospital de Urgências de Goiânia após ter tórax, rosto e braços queimados por resistir a uma tentativa de estupro. Os três agressores fugiram e até agora não foram identificados pela polícia. Sem dúvida, trata-se de mais um caso lamentável de agressão contra a mulher. Estes se propagam como vírus pelas grandes cidades do país. Apesar dos avanços na legislação, com a introdução da Lei Maria da Penha, casos como este evidenciam que a sociedade não muda via decreto.
Entretanto, penso que o mais lamentável de tudo foi a postura dos principais veículos de comunicação local, que divulgaram não só o nome como o local onde a mulher atacada se encontra internada, pondo sua vida novamente em risco. A agredida, que não possui família em Goiânia e mora nas ruas da cidade, foi atacada no bairro onde costumava recolher material reciclável para vender. Será que se a agredida possuísse um status social mais elevado seu nome seria divulgado? A ética jornalística parece ser interessante apenas quando não gera processo judicial que prejudique os bolsos do patrão.
É vergonhoso a que ponto o sensacionalismo na imprensa local chegou: colocam vítimas de abuso sexual em risco a fim de vender jornal. Esse filão jornalístico, pretensamente "popular", começou a ser explorado na cena local há cerca de três anos, como o lançamento, por um grande grupo empresarial, de um tabloide que custa 50 centavos (e que divulgou o caso com matéria de capa na sexta-feira, 17/9) e se tornou uma das publicações diárias de maior tiragem do país, sendo agora exportado para outros estados como "modelo" a ser seguido pelas grandes organizações de mídia privada para que estas possam se salvar da crise que aflige os grandes grupos de comunicação nacional.
O fantasma da censura
No início do ano, realizei extensa pesquisa para identificar a atuação da imprensa brasileira conforme o Código de Ética da Fenaj e os Códigos de Ética de outros quatorze países. A partir do resultado, produzi artigo analisando a relação destes com a divulgação do nome do menor (agora maior) de idade acusado de participação no assassinato do menino João Hélio, no Rio de Janeiro. Não questiono o crime, bárbaro, mas sim, o fato de que a imprensa, conforme fala do próprio juiz da Vara da Infância e da Juventude, Marcius da Costa Ferreira, coloca a vida do rapaz em risco toda vez que relembra o caso. A imprensa impede seu direito constitucional de se reintegrar à sociedade.
Durante a pesquisa, descobri que todos os Códigos de Ética são unânimes na condenação de práticas que invadam a vida alheia de forma arbitrária. O português é o mais explícito em casos como os descritos acima, determinando que "o jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor". Já o espanhol diz que "mencionar o nome de vítimas de crime, assim como a publicação de material que pode contribuir para a identificação da vítima, devem ser evitados". O americano recomenda precaução ao noticiar crimes de natureza sexual.
As cartas deontológicas citadas acima nasceram da bonita luta da categoria pelo direito à liberdade de expressão. Nesse processo histórico, ficou entendido que o direito à livre divulgação de ideias tem como pressuposto deveres a serem seguidos pela categoria. Entretanto, um jornalista que pensa mais no lucro da empresa para a qual trabalha do que no bem-estar dos personagens que retrata, joga toda essa luta na lata de lixo. Isso sem falar que dão munição para ações arbitrárias como a do governo venezuelano de fechar um jornal por alto nível de sensacionalismo. Uma imprensa que não cumpre seu papel social de zelar pelos direitos humanos, não tem credibilidade para se defender de arbitrariedades – e muito menos denunciá-las. Nesse cenário, fica cada dia mais difícil defender a necessidade de uma categoria unida e forte. Qual a necessidade de assistir aulas de ética na faculdade para se tornar jornalista? Nada daquilo parece importar no momento de produção das matérias mesmo.
Não me admira que as empresas jornalísticas tenham reagido como se a proposta do governo federal, contida no Programa Nacional de Direitos Humanos III, de criar ranking dos veículos de acordo com violações aos direitos básicos dos cidadãos brasileiros, fosse "censura". Aliás, esta vem sendo a posição da mídia privada em relação a qualquer tentativa de tentar fazê-los respeitar os direitos básicos dos cidadãos brasileiros. Sempre que possível, ressuscitam o fantasma da censura imposta pelo regime de exceção que eles mesmos apoiaram.
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