CASO ABDELMASSIHO médico, o monstro e os monstros
Por Carlos Brickmann em 1/9/2009
Nas frequentes guerras que ocorreram no sul da América Latina, havia um personagem permanente e sinistro: o degolador. Todos os lados tinham os seus. E sua tarefa era, terminada a batalha, cortar a garganta dos inimigos feridos.
Observe o noticiário sobre o médico Roger Abdelmassih, preso sob a suspeita de abuso sexual contra suas pacientes: antes que o inquérito esteja concluído, antes de qualquer tipo de julgamento, a imprensa já o condenou. A pena é de banimento perpétuo – pois, mesmo que o médico seja inocentado e se demonstre no processo que os acusadores mentiram, a mancha permanecerá.
Importante: este colunista não está dizendo que Roger Abdelmassih é inocente. Nem afirma que ele seja culpado. Se a Justiça determinou sua prisão preventiva e a manteve, deve ter bons motivos para isso. Os crimes de que o médico é acusado são repugnantes; se verdadeiros, não admitem atenuantes. Mas o que se conhece do processo, publicamente, é apenas o que os meios de comunicação até agora divulgaram. Não é o suficiente para firmar qualquer tipo de conclusão.
Imaginemos que Abdelmassih seja inocente (como eram inocentes os diretores da Escola Base, acusados por abuso sexual contra seus alunos, como eram inocentes os presos do Bar Bodega, que até confissão fizeram antes que as investigações apontassem os verdadeiros responsáveis pelo crime). Que fazer com as capas de revistas, com os títulos de jornais tipo "médico e monstro", com as notícias de colunas sobre DNA trocado, com as caras e bocas de apresentadores de TV, com o tom de desdém dos apresentadores de rádio?
Imaginemos que Abdelmassih seja culpado, como os fortes indícios parecem sugerir: o simples relato das investigações, sem adjetivos, voltado exclusivamente para o factual (acusado por "n" testemunhas, que narram as seguintes histórias, com coincidências que parecem apontar um determinado modus operandi, acusado dos seguintes crimes, sujeito a tais penas), não seria suficiente para manter o público informado, sem insuflá-lo?
Jornalismo, enfim. Poucos adjetivos, muitos substantivos, poucos comentários, muitos fatos. E acompanhar, especialmente, algum dos casais que fizeram as denúncias, para contar a história de como ficou seu dia-a-dia após narrarem fatos traumáticos, que envolvem a vida e o bem-estar da família. Na verdade, é mais do que isso: considerando-se o nascimento de 7.500 crianças, considerando-se que outro tanto não deve ter tido tratamento com êxito, são 15 mil famílias envolvidas – que terríveis angústias não estarão suportando?
Seus homens, suas mulheres
Os meios de comunicação capricharam nos adjetivos. Mas este colunista não encontrou, ainda, depoimentos de pessoas famosas que, publicamente, recorreram à clínica de Abdelmassih para ajudá-las a ter seus filhos. Pelé e Assíria, por exemplo; ou Gugu Liberato; ou Tom Cavalcanti e a esposa Patrícia. Ao que se saiba, eram não apenas clientes, mas amigos do médico. Terão rompido a relação de confiança e de amizade? Que é que acham do caso?
Notícia sem festa
O que mais impressionou este colunista foi a alegria com que muita gente recebeu a notícia de que Abdelmassih seria transferido para uma prisão no interior. Lembrando a Lei do Cão, que vige nas penitenciárias e determina que estupradores sejam estuprados, comemoravam o estupro que poderia ocorrer como um acontecimento feliz, uma resposta ao comportamento atribuído ao médico. Talvez seja uma resposta – mas não é uma resposta civilizada, não é uma resposta que esteja respaldada pela lei. E não cabe a jornalistas festejar o descumprimento da lei, mesmo que a vítima tenha sido a primeira a descumpri-la. O jornalista deve lutar pelo cumprimento da lei, sempre. O resto é tortura.
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